Ao ouvir presidente discursar garantindo que ficaria até setembro, família de caminhoneiro decidiu mudar de vez para a Praça Tahrir
CAIRO – O último pronunciamento de Hosni Mubarak, na noite de quinta-feira, destinado a convencer os egípcios a voltar para casa, teve o efeito contrário sobre muitos deles. Até então, Abdel Aziz Hassan, um motorista de caminhão aposentado de 70 anos, vinha sozinho para a Praça Tahrir, de sua casa em Guizé, onde ficam as mais importantes pirâmides do Egito, 20 km a sudoeste do centro do Cairo. Depois do discurso, Hassan resolveu acampar na praça com sua mulher Zakaia, de 33 anos, a filha Eia, de 7, e o bebê Mustapha, de 4 meses.
“Trouxe as crianças aqui para que aprendam desde cedo o preço da liberdade”, disse Hassan, sentado com sua família no meio-fio, ao lado de uma das muitas tendas montadas na praça para abrigar os acampados. É inverno no Egito, e Hassan admitiu que as crianças, cobertas apenas com lençóis, passaram muito frio. “Mas não importa o frio. Só queremos que Mubarak vá embora”, disse ele, no fim da tarde de ontem, uma hora antes do anúncio da renúncia do presidente.
Eles chegaram à praça com apenas 15 libras egípcias (US$ 2,50), mas Hassan disse que estava disposto a só sair de lá depois que Mubarak deixasse o poder. “O que me fez trazer minha família foi aquele discurso decepcionante de ontem (anteontem)”, afirmou o motorista aposentado. “Aqui não existem direitos humanos. Mubarak atropelou todos eles. Os animais podem comer melhor que os homens. Não consigo expressar meus sentimentos”, disse ele, com os olhos marejados.
Hassan contou que recebe apenas 73 libras egípcias (US$ 12) por mês de aposentadoria, e que tem outros seis filhos de um primeiro casamento. O rendimento o coloca na base da pirâmide de um país em que 40% da população ganha menos de US$ 2 por dia. “A vida é muito difícil. Não tenho dinheiro suficiente para viver”, lamentou ele. “Mas não estou aqui por causa de comida ou de dinheiro. Estou aqui para conquistar minha dignidade.”
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