Cidades remotas do sul e norte do país registram os primeiros choques entre manifestantes e policiais, enquanto trabalhadores convocam greves
CAIRO – O movimento pela renúncia do presidente Hosni Mubarak incorporou novos métodos e expandiu para novas áreas ontem, com a deflagração de greves, o cerco ao prédio do Parlamento e confrontos entre manifestantes e a polícia em áreas recônditas no sul e no norte do país, onde ainda não tinham ocorrido incidentes. A ampliação dos protestos, cujo epicentro continua sendo a Praça Tahrir, coincide com ameaça de recrudescimento do regime.
Milhares de manifestantes se reuniram ontem na frente do Parlamento, no centro da cidade, exigindo a sua dissolução, assim como a saída de Mubarak. “Este Parlamento é nulo”, gritaram. “Abaixo a fraude.” O Parlamento foi eleito em dezembro, com vitória esmagadora do governo, que ficou com 95% das cadeiras, mas o resultado foi rejeitado pela oposição. Grande parte dela boicotou o pleito.
O jornal Al-Dustour, de oposição, publicou ontem que, na véspera, o primeiro-ministro Ahmed Shafiq teve de sair disfarçado do Parlamento cercado pelos manifestantes, e não conseguiu entrar no prédio do Conselho de Ministros, próximo dali. O Conselho teria sido transferido para a Rua 6 de Outubro, mais distante da área onde ocorrem os protestos.
Pela primeira vez desde que os protestos começaram no dia 25, os oposicionistas convocaram realização de greves. Houve paralisações ontem dos funcionários da companhia estatal de energia elétrica e dos museus. As principais queixas são salários baixos e a corrupção. Mesmo com o aumento de 15% anunciado pelo governo, a maior parte dos funcionários continuará com salários baixos, na casa dos US$ 100 ou menos. Os egípcios reclamam que todo serviço público só é prestado mediante pagamento de propina, em todos os níveis.
Duas pessoas foram mortas e várias ficaram feridas num confronto entre 3 mil manifestantes e a polícia no Oásis de Kharga, na província de Novo Vale, 500 km ao sul do Cairo. Cerca de 8 mil pessoas, a maioria pequenos agricultores, e também funcionários públicos, bloquearam a principal estrada entre a província de Assiut, também no sul, e o Cairo, erguendo barricadas com palmeiras pegando fogo. Os manifestantes apedrejaram a van do governador da província, Nabil El-Ezaby, que tentou vir conversar com eles. O motivo da manifestação foi a escassez de pão.
Já em Porto Said, no Canal de Suez, no norte do país, cerca de 300 moradores de uma favela atearam fogo ao palácio do governo para protestar contra a falta de moradia.
Em reunião com diretores de jornais na noite de terça-feira, o vice-presidente Omar Suleiman advertiu para o risco de um “golpe” se os manifestantes continuarem se recusando a negociar. “Não podemos suportar essa situação por muito tempo e precisamos por fim a essa crise o mais rápido possível”, disse Suleiman, ex-chefe da temida polícia política do regime. Segundo cálculos do Banco Crédit Agricole Egypt, o país perde US$ 310 milhões por dia com a crise. Suleiman também avaliou que o Egito não está preparado para a democracia. As declarações intensificaram os temores de que o governo volte a reprimir os protestos.
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