Pesquisas indicam que o presidente deve se reeleger com o sucesso da política de segurança
BOGOTÁ
Quatro anos depois de se eleger presidente no primeiro turno, Álvaro Uribe deve repetir hoje o feito. Em 2002, Uribe personificou o desejo da maioria dos colombianos de uma guerra total contra a guerrilha, depois de um processo de paz frustrado no qual o governo anterior, de Andrés Pastrana, terminou humilhado. Hoje, Uribe colhe os frutos dessa guerra. O país está mais seguro. A guerrilha, acuada. A economia cresce. Os colombianos sentem que estavam certos. Logo, Uribe é a opção natural.
A segurança conquistada pelo Plano Patriota de Uribe está para a Colômbia assim como a estabilidade do Plano Real de Fernando Henrique Cardoso esteve para o Brasil, na década passada. Embalado numa popularidade na casa dos 70%, Uribe reformou a Constituição para possibilitar a sua reeleição e, com uma sólida maioria no Congresso, alienou a oposição a um papel coadjuvante.
As três principais pesquisas, publicadas no fim de semana, dão a Uribe, um dissidente do Partido Liberal, entre 55% e 61% dos votos. Em segundo lugar, vem o candidato de esquerda Carlos Gaviria, do Pólo Democrático Alternativo, dos antigos guerrilheiros do M-19, com 19% a 24%.
“A segurança é uma necessidade básica, compartilhada por todos os segmentos: as classes alta e baixa, as zonas rural e urbana”, define Napoleón Franco, diretor do instituto de pesquisas de opinião Ipsos. “Para a classe alta, para o empresariado, a continuidade significa evitar traumas. Para as classes baixas, Uribe dá a impressão de que vai resolver todos os seus problemas.”
Há dois Uribes. Há o filho de fazendeiro do próspero Departamento de Antioquia, cujo pai foi morto pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), formado em direito, especializado em administração na Universidade de Harvard, professor visitante em Oxford, enfim, um representante da elite. Esse é o Uribe de segunda a sexta.
No sábado, o presidente põe um chapéu panamá com as abas dobradas para cima e vai para os povoados, com todos os seus ministros, participar de conselhos comunitários, transmitidos ao vivo pela TV. “O que é que o presidente precisa saber?”, começa ele. Os moradores reivindicam serviços, reclamam obras. Uribe se vira para os ministros da área e passa pitos: “Quero saber por que isso não andou. Daqui a dois meses vou cobrar.”
Uribe faz sempre promessas em nome de funcionários. Se algo não vai bem, é culpa dos outros, não dele. Faz papel de cidadão comum, que se indigna e cobra do governo. “Ele se mantém protegido, combinando a intervenção direta e a delegação imediata com a responsabilidade transferida”, resume Franco.
Carlos Velásquez, professor de ciência política da Universidade La Sabana, vai mais longe. “Muitas famílias carentes sofrem da ausência do pai”, diz ele. “Num país com uma cultura política deficiente que tem esse problema inconsciente, o presidente se transformou no pai que sempre faltou.” Quando fala com a gente simples, Uribe utiliza uma linguagem familiar, repleta de diminutivos, bem ao gosto dos colombianos. “É o pai falando com a família na mesa do jantar.”
Em toda a Colômbia, os antioquenhos são respeitados como uma gente ousada, forte e ambiciosa – numa palavra, “berraca”, na gíria local. Nos anos 80, essas qualidades eram encarnadas em Pablo Escobar, o chefe do Cartel de Medellín, capital da Antioquia. Hoje, são em Uribe. “Ele tem as calças bem postas no lugar”, diz o taxista William Ramírez, de Medellín. “Foi o único que colocou o ‘tatequieto’ (‘fica-quieto’, como se faz com as crianças) na guerrilha.”
Incentivadas pelo presidente, as Forças Armadas recuperaram faixas extensas de território antes sob a influência da guerrilha e liberaram muitas estradas dos bloqueios constantes que ela promovia, reduzindo drasticamente as chacinas nos povoados, os seqüestros e as extorsões. Como havia uma ligação entre o banditismo comum e a ação da guerrilha e dos paramilitares – que foram em grande parte desarmados -, a criminalidade diminuiu nas cidades.
Há 13 anos, o marido de Olga Tobón foi assassinado durante um assalto em Medellín. Na mesma época, a irmã dele, Nelly Calle, teve de entregar o carro a homens armados. Na terça-feira, Olga e Nelly, que moram no bairro de El Poblado, o mais elegante de Medellín, pegaram um ônibus e foram tranqüilamente buscar um parente no aeroporto. Nelly tem uma administradora de condomínios, e diz que anda despreocupada pelo centro de Medellín, com dinheiro na bolsa, indo a bancos e a repartições públicas. “Não poderíamos jamais fazer isso antes”, disse ela. “Desde que o presidente Uribe subiu, Medellín mudou totalmente. É preciso votar nele de novo agora.”
Não que não haja críticas ao governo. Entre intelectuais, defensores de direitos humanos e esquerdistas, o presidente é acusado de cumplicidade com os paramilitares, espécie de esquadrões da morte criados para combater a guerrilha, e que agora estão sendo desmobilizados e reintegrados à sociedade, sem prestar contas sobre os crimes cometidos. Mas isso não preocupa o eleitor típico de Uribe. “Os ‘paras’ estavam do lado do bem”, resume o taxista Ramírez.
Os outros principais candidatos, Gaviria e Horacio Serpa, do tradicional Partido Liberal, dão mais ênfase a negociações com a guerrilha e a programas sociais. Mas com isso acabam remetendo a maioria dos colombianos ao trauma do fracasso de Pastrana. Entre abril e maio, enquanto Uribe se mantinha estável, Gaviria subiu dez pontos nas intenções de voto, roubando votos de Serpa, que hoje figura entre 10% e 13%. Mas até isso se deve mais a Uribe do que a um apego aos ideais da esquerda, interpreta Napoleón Franco. “Uribe chamou Gaviria de ‘comunista disfarçado’. Com isso, atraiu o voto dos antiuribistas para ele.”