Segundo analistas, primeiro cenário parece o mais provável
BOGOTÁ – A eleição de Álvaro Uribe sugere duas hipóteses opostas sobre o destino do conflito armado na Colômbia. A primeira, mais óbvia, é que sua posição muito mais firme, e com condições para negociar muito mais estritas do que as do presidente Andrés Pastrana, consolida a ruptura do processo de paz e prenuncia o lançamento de uma guerra total. A outra, mais sutil, é a de que a posição de força do futuro governo, combinada com uma moldura mais concreta e clara para as negociações, pode representar o tipo de pressão que faltava para o início de um diálogo para valer.
“Depende da credibilidade que o novo presidente conquistar perante a guerrilha”, diz o coronel da reserva Carlos Alfonso Velásquez, professor de ciência política da Universidade La Sabana. “Até onde sei, ela não é grande. Por outro lado, depois de eleito, ele tem-se mostrado sereno, evitando classificá-los de ‘terroristas’, por exemplo.”
“Até agora, os obstáculos parecem ser seu pedido de intervenção da ONU e sua tendência a colocar a guerrilha no mesmo nível que os paramilitares, coisas que presumo que ela não aceite”, avalia Velásquez. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) têm pretendido negociar com o governo de igual para igual, como se fosse “um Estado nascente”, observa o coronel. Uribe não se disporia a isso.
O cenário do recrudescimento do conflito parece o mais provável para dois analistas em campos ideológicos opostos, o general da reserva Álvaro Valencia Tovar e o escritor Arturo Alape, historiador das Farc. E pela mesma razão: “As Farc parecem obcecadas em tomar o poder pela força”, observa Tovar. “Eles, no fundo, acreditam em chegar a uma solução pela via militar, o que, para mim, é um erro”, confirma Alape. “As Farc desperdiçaram um tempo histórico muito valioso”, lamenta o historiador, que tem 18 livros publicados. “Esqueceram-se de fazer política. Tiveram nas mãos a oportunidade de colocar contra a parede uma classe política que tem sido tão injusta.”
O escritor se refere à agenda social elaborada conjuntamente por governo e guerrilha, que não chegou a ser discutida. Alape reconhece que, embora tenha sido Pastrana que tenha rompido o diálogo, em fevereiro, ele foi obrigado a isso pelo clamor da opinião pública. Que, segundo Napoleón Franco, diretor de um instituto de pesquisas de opinião, tornou-se menos tolerante ainda com as atrocidades cometidas pela guerrilha depois dos atentados de 11 de setembro, encontrando “apoio moral” para defender uma “guerra contra o terrorismo”.
A descrença de Alape é uma medida do grau de isolamento político da guerrilha. Autor de Tirofijo: Sonhos e Montanhas, biografia do comandante das Farc, lançada em 1992, depois de meses de convívio com Manuel Marulanda na selva, Alape, por seu íntimo conhecimento da guerrilha, foi, até uns anos atrás, considerado por alguns um quase porta-voz informal das Farc, embora ele nunca tenha reivindicado essa condição.
A confirmação objetiva desse isolamento está no mapa da votação de domingo, em que Uribe se elegeu em primeiro turno, com 53% dos votos. Nos Departamentos (Estados) sob tradicional influência da guerrilha, Uribe teve, em média, o dobro de votos de Horacio Serpa (o segundo colocado, com 32%), defensor de uma postura mais moderada para com a guerrilha.
O enfraquecimento político das Farc não justificaria insistir na segunda hipótese, a da maturação das condições para elas se engajarem no diálogo de verdade? As razões da própria impopularidade das Farc – massacres de civis, seqüestros e extorsões – parecem indicar que não. “É claro que a maior fonte de renda das Farc é o narcotráfico, mas, para manter 20 mil homens armados, elas também não podem abrir mão dos seqüestros”, constata o general Tovar.
Em julho de 1999, numa chácara na extinta zona desmilitarizada, o comandante Raúl Reyes, porta-voz das Farc, disse ao Estado que o orçamento da organização é “grandinho”, e que, assim como o governo cobra impostos dos cidadãos, a guerrilha faz o mesmo, sobre as atividades produtivas, incluindo o narcotráfico. E os seqüestros são uma forma de cobrar daqueles que se recusam a pagar, “assim como o governo tem suas prisões”.
Foi nesse círculo vicioso de projeto de tomada de poder pela via armada e de necessidade de financiamento que a guerrilha foi deixando de ser um movimento político-ideológico para se transformar num negócio. A área de 42 mil quilômetros quadrados que Pastrana lhe entregou em novembro de 1998, para retomar em fevereiro deste ano, converteu-se em base militar, santuário do nacrotráfico e cativeiro de reféns. Foi o auge da guerrilha, que, uma semana antes da eleição presidencial, reivindicou, para dialogar com o futuro governo, nada menos que dois Departamentos inteiros: Caquetá e Putumayo, na fronteira com o Equador.
Se as Farc não têm como mudar, se nada indica que aceitarão as condições de Uribe para o diálogo – cessar-fogo, fim do terrorismo e dos seqüestros -, então, resta ao governo a alternativa da guerra total. Mas, o que isso quer dizer? “Seis milhões de pessoas votaram pela guerra, quando metade delas ainda não a sentiu na pele”, adverte Alape, referindo-se à população das grandes cidades, protegidas dos combates e massacres que assolam os povoados da zona rural.
Tiveram uma amostra no dia 21: na Operação Marechal, o Exército e a polícia, apoiados por helicópteros, tomaram posição em bairros de Medellín sob influência da guerrilha, com um saldo de 9 mortos, entre eles 2 meninas, 29 civis e 8 policiais feridos e 31 detidos. Não serviu para dissuadir os eleitores de Uribe. “Os colombianos estão cansados de uma guerra não acabada, e querem que ela acabe”, conclui Alape.