Pai de Uribe foi morto pela guerrilha e ele sobreviveu a vários atentados, o último em abril
BOGOTÁ — Às 5 da tarde do dia 7 de agosto, Álvaro Uribe Vélez estará tomando posse como presidente da Colômbia – se as pesquisas estiverem certas. Estará, também, iniciando o acerto de contas de sua vida com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que assassinaram seu pai numa das fazendas da família, 19 anos atrás. E já tentaram matá-lo várias vezes também.
Eram quase 6 da tarde do dia 14 de junho de 1983. Alberto Uribe e os filhos Santiago e María Isabel tinham chegado havia duas horas apenas à fazenda Guacharacas, no Departamento de Antioquia, noroeste da Colômbia, e já se preparavam para regressar a Medellín, quando surgiram cerca de 15 homens em uniforme de campanha. “Farc!”, gritou Alberto, grande fazendeiro da região, e entrou correndo na sede, com os filhos e o piloto de seu helicóptero, Bernardo Riveros.
Os homens gritaram de fora que saíssem e não lhes fariam mal. Alberto, que não andava com guarda-costas, mas costumava repetir o lema “antes morto do que seqüestrado”, sacou o revólver. Caiu com dois tiros de fuzil, um no peito e um na cabeça. Santiago, irmão de Álvaro Uribe, saiu correndo pelos fundos da casa, com um tiro nas costas que varou pelo peito, raspando o pulmão. A outra irmã, Marta, e o piloto, esconderam-se em casa.
Antes de ir embora, os guerrilheiros metralharam o helicóptero. Ao receber a notícia, em Medellín, Álvaro Uribe, que tinha sido diretor da Aviação Civil, pediu aos amigos que lhe arranjassem um helicóptero para ir resgatar os irmãos e, à Aeronáutica, permissão para decolar depois das 18h30, o que a lei proibia.
Mais tarde, o jornal El Mundo revelou que o helicóptero pertencia ao deputado Pablo Escobar, chefe do Cartel de Medellín. “Pois bem, não tive relações com Escobar, nem quando se costumava ter”, garantiu há um mês em entrevista a El Tiempo, referindo-se ao período em que os narcotraficantes eram socialmente aceitos na Colômbia.
Uribe confirma, no entanto, a ligação de sua família com outro ex-chefe do Cartel de Medellín, Fabio Ochoa, extraditado para os Estados Unidos em setembro do ano passado. Tulio Ochoa, pai de Fabio, era primo-irmão de Martín Emilio Vélez Ochoa, avô materno do candidato. Além disso, o amor aos cavalos de raça e às feiras agropecuárias e o ódio à guerrilha uniram os dois ramos da família.
Em sua Biografia Não-Autorizada de Álvaro Uribe Vélez (O Senhor das Sombras), lançada este mês, o jornalista Joseph Contreras, da revista Newsweek, afirma que o pai do candidato manteve, também, “muito boas relações pessoais e de negócios com Pablo Correa Arroyave”, um dos três Pablos da máfia — os outros eram Escobar e um outro Pablo Correa.
Os anos passaram. Uribe, que começara a vida pública aos 23 anos, como diretor de Patrimônio das Empresas Públicas de Medellín, fora prefeito biônico de Medellín em 1982 e vereador de 1984 a 1986, elegeu-se governador de Antioquia em 1995. Nesse cargo, impulsionou a criação das Convivir (conviver), cooperativas de segurança particular destinadas a proteger empresários, fazendeiros, comerciantes e moradores das extorsões e seqüestros da guerrilha.
Diante da debilidade e falta de apetite do Estado para garantir a segurança pública, as Convivir significaram uma forma de proteção para quem tentava ganhar a vida honestamente. Mas também se prestaram a outra coisa: por meio dessas cooperativas, bandos armados a serviço dos narcotraficantes e grupos semiclandestinos vinculados às Forças Armadas e à polícia, encarregados do trabalho sujo contra a guerrilha, ganharam uma fachada institucional e vias legais de financiamento.
Essas duas ramificações tiveram origem comum, que remonta a dezembro de 1981, quando foi fundado, em Cali, o movimento Morte aos Seqüestradores (MAS), financiado, inicialmente, por 223 chefes do narcotráfico. Entretanto, na segunda metade dos anos 80, quando os narcotraficantes começaram a entrar em choque com o Estado, Carlos Castaño e seu irmão, Fidel, romperam com Escobar e formaram a organização Los Pepes, que ajudou as forças públicas a desbaratar os cartéis de Medellín e de Cali.
Los Pepes foram o embrião dos paramilitares em Antioquia, que depois se uniram a outros grupos no resto do país e formaram as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), que se dedicam a combater a guerrilha e a massacrar povoados suspeitos de simpatia pelos inimigos, assim como fazem os guerrilheiros.
Algumas “frentes” paramilitares e guerrilheiras também disputam o controle sobre áreas de cultivo de coca e papoula (matéria-prima da heroína) e rotas do narcotráfico, como ocorreu em Bojayá, onde, no dia 2, a guerrilha lançou um botijão de gás com explosivos no teto de uma igreja, matando 119 pessoas, entre elas 47 crianças, que lá se refugiavam dos combates.
Na tarde do dia 14 de abril, um domingo, Uribe e as Farc se reencontraram em Barranquilla, na costa noroeste do Caribe. Uma bomba colocada num ônibus explodiu quando passava a caravana do candidato. Uribe saiu ileso, mas 4 pessoas morreram na hora e outras 20 ficaram feridas. Dias depois, seu motorista, que, mesmo ferido, conseguiu dirigir a camionete blindada para longe do local, morreu no hospital. A polícia informou que já havia frustrado outros quatro atentados, só durante esta campanha.