Tariq Ali concebeu Mulher de Pedra enquanto sorvia a brisa do Estreito de Bósforo e seu olhar dominava, de um lado, a Ásia, de outro, a Europa.
A imagem não é uma síntese apenas dos dilacerantes dilemas políticos e morais vividos pelos personagens de seu último romance; é, também, a moldura mental desse paquistanês que foi mandado pelos pais para Oxford em 1961, depois de liderar uma manifestação contra a ditadura, reprimida a tiros pela polícia paquistanesa.
Ali, que vive desde então na Inglaterra, transita com imensa intimidade pelo intrincado universo de códigos e símbolos da civilização muçulmana, para traduzi-lo para o leitor ocidental. Não sem alguma transpiração. “Estudo a história do mundo islâmico há 40 anos, mas sempre preciso fazer pesquisas antes de escrever cada livro”, diz ele. Ali percorre fisicamente os cenários de seus romances, para ambientá-los. Para escrever Sombras da Romãzeira, ficou seis meses na Espanha, fazendo coisas como medir quanto demorava ir a cavalo de Granada a Córdoba ou tentar enxergar a paisagem sem os carros e construções modernas.
Já Mulher de Pedra se passa numa propriedade imaginária na costa da Turquia, onde o cortesão Yusuf Pasha se exilou depois de expor ao sultão de modo um pouco cru os sinais da decadência moral, política e econômica do Império Otomano.
A influente família Pasha vivencia esse período de ruptura em dois níveis, que freqüentemente se entrecruzam: o do protagonismo político e o das transformações na conduta individual. É um tempo de confissões – feitas a uma estátua de pedra que dá nome ao livro, e que funciona como um arcaico divã de psicanalista. “A mulher de pedra é um modelo de analista freudiano, porque nunca fala com seus pacientes nem os seduz, como fazem os psicanalistas hoje em dia”, brinca Ali.
Até quando o escritor inventa, descobre, depois, estar falando da vida real: na Bósnia, contaram-lhe que é costume local fazer confissões às estátuas de pedra.