Rebeldes sustentam suas atividades com seqüestro, extorsão e venda de proteção para o narcotráfico
BOGOTÁ – Na semana que passou, a polícia colombiana anunciou o desbaratamento de uma quadrilha curiosa. Os sete seqüestradores vendiam seus reféns às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), na região dos Llanos Orientais. No dia seguinte, um carro-bomba das Farc deixava semidestruído um prédio em Medellín, porque uma companhia de cimento lá sediada se recusou a pagar a “vacina”, o imposto mensal cobrado pela guerrilha.
São notícias como essas que fazem muitos colombianos pensarem que a guerrilha se converteu em negócio, sustentado por três atividades principais: o seqüestro, a extorsão e a venda de proteção para o narcotráfico. Os dois primeiros são os que os cidadãos comuns – sobretudo aqueles que têm algum dinheiro – sentem na carne. Em Bogotá, é comum encontrar famílias que já tiveram vários parentes seqüestrados – alguns deles, repetidas vezes.
Os assassinatos de fazendeiros ou empresários que se recusam a pagar a “vacina” só não são mais freqüentes porque a imensa maioria deles paga o “imposto” ou simplesmente abandona suas propriedades.
Também faz parte do cotidiano dos que são obrigados a viajar de carro ou caminhão o chamado
“retén”, espécie de pedágio nas estradas sob influência guerrilheira. Nessas barreiras, os passageiros podem ser seqüestrados, ao menor sinal de riqueza. Há o caso de uma família que teve de pagar duas vezes o valor de 100 milhões de pesos (R$ 100 mil), porque a guerrilha não cumpriu a palavra, da primeira vez. Nada disso é incomum, como são rotineiras as negociações para pedir “desconto”, conduzidas por um amigo da família.
Se os seqüestros são situações familiares fora da Colômbia, mais difícil, para estrangeiros, é imaginar o que significa viver num país em cujas estradas se pode deparar, a qualquer momento, com um bloqueio armado, tanto do Exército quanto da guerrilha – igualmente de uniformes verdes e fuzis em punho. Parar ou acelerar é um jogo de roleta russa.
Na semana passada, um jovem que dirigia numa estrada no centro do país julgou que a barreira fosse da guerrilha e tentou atravessá-la. Foi morto com um tiro de fuzil de um soldado: dessa vez, era do Exército. Um pouco pateticamente, um coronel apareceu na televisão responsabilizando a vítima: “Pusemos na estrada todas as indicações de que era barreira do Exército”, disse ele, referindo-se a placas e emblemas facilmente imitáveis.
A insegurança originou uma crise comercial entre Colômbia e Venezuela, os dois principais parceiros da Comunidade Andina. A Venezuela proibiu os caminhoneiros colombianos de cruzar a fronteira, para compensar os venezuelanos, que não se sentem seguros para viajar nas estradas do país vizinho. Os caminhões colombianos, com exceção de produtos perecíveis e químicos, têm de ser descarregados na fronteira, e a carga transferida para caminhões venezuelanos. “Para trafegar nas estradas colombianas, só com tanque de guerra”, disse o presidente Hugo Chávez, da Venezuela.
A violência tem refreado o crescimento do PIB colombiano em dois a três pontos porcentuais, por ano. Num acúmulo de dez anos, isso pode representar cerca de 50% de crescimento a menos do que o potencial da economia. Claro que é impossível calculá-lo com exatidão. Mas uma coisa é certa: toda atividade econômica ao alcance dos olhos da guerrilha, da mineração à indústria, passando pela agropecuária e o comércio, é inibida.
Um grande criador de gado do centro-sul do país conta que a guerrilha lhe cobra um dólar ao mês por cada uma de suas 3 mil cabeças. Um dono de 450 porcos teve, há dois meses, um encontro marcado com guerrilheiros num bar, em que lhe explicaram que, a partir de então, teria de pagar-lhes o equivalente a R$ 1,2 mil por mês. Em recados e encontros, os guerrilheiros deixam claro que conhecem detalhes sobre a família do extorquido – como onde estudam seus filhos.
“A violência afeta a economia, na medida em que restringe as áreas do país em que se podem fazer investimentos”, disse ao Estado o presidente interino da Bolsa de Bogotá, Juan Pablo González.
O próprio êxito do café na Colômbia se explica pela lógica da guerrilha e do narcotráfico: o tradicional arábico colombiano só pode ser cultivado em regiões altas, enquanto a coca e as organizações que a acompanham dominam as planícies. Além disso, 95% dos plantadores de café são pequenos proprietários, de 3 a 4 hectares, pouco apetecíveis para os achacadores.
“Entretanto, na medida em que a economia não cresce, afeta o setor cafeeiro”, analisa Diego Pizano, assessor da Federação de Cafeicultores. Ninguém que não pague a “vacina”, direta ou indiretamente, parece imune na Colômbia.