Em entrevista exclusiva ao Estado, Victor Ricardo acredita que diálogo com as Farc será retomado
BOGOTÁ – O representante do presidente Andrés Pastrana nas negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Víctor G. Ricardo, declarou-se ontem confiante de que o processo de paz poderá ser retomado. Em entrevista exclusiva ao Estado, antes de embarcar para a “zona de distensão” controlada pela guerrilha, pela primeira vez depois do cancelamento da reunião de segunda-feira, o assessor especial empregou a terminologia imposta pelos guerrilheiros ao referir-se à comissão internacional a ser enviada para a área ocupada: as Farc querem que ela faça apenas “acompanhamento”, não “verificação”, que lhes cheira a “controle”. A distinção originou o impasse no processo de paz.
“Aspiramos chegar a um acordo que desenvolva o pacto que o presidente da república e o comandante das Farc (Pedro Antonio Marín, ou Tiro Certo) firmaram quanto à criação do comitê de acompanhamento para verificar anomalias na zona de distensão, segundo as regras do jogo acertadas em relação aos prefeitos, às instituições municipais, aos cidadãos, sua livre locomoção e seu livre comércio, obviamente para que se cumpra o objetivo de dar garantias às partes de poderem encontrar-se, num cenário onde não haja confrontação”, disse, em linguagem estudadamente diplomática, Víctor G., cujo pai, de mesmo nome, foi embaixador no Brasil nos anos 70.
“Estou convencido de que, nesse quadro de idéias, a guerrilha vai honrar sua palavra”, prosseguiu. “As dificuldades que se apresentam são lógicas em qualquer processo de paz, depois de 40 anos de conflito.” Às vezes, “as partes aprofundam seus critérios, mas o importante é criar a metodologia que permita que as grandes diferenças possam aproximar-se, visualizando o bosque, e não somente uma árvore”, filosofou.
“É preciso entender que há duas linguagens, assim como há dois tempos: o da cidade e o da zona rural.” O governo passou a insistir na instalação da comissão sobretudo depois de denúncias, nos últimos dias, da Defensoria Pública de 11 execuções na zona de distensão e da constatação dos militares de que a área está sendo usada como base para o planejamento de ataques da guerrilha. “Simplesmente, o que se estipula é que a comissão deve escutar as inquietudes para, em um momento dado, dar conhecimento às partes de anomalias que se apresentem”, amenizou.
O Estado perguntou se, além de execuções e do uso da zona de distensão como base para ataques, pode haver atividades de narcotráfico na área. “Um dos acordos que fizemos, ao iniciar as conversações com as Farc, foi de procurar substituir os cultivos ilícitos pelos lícitos e melhorar as condições de vida dos habitantes das regiões mais distantes”, respondeu. “Portanto, há um compromisso implícito de que em nenhum momento possa existir complacência com o narcotráfico, mas é preciso ter consciência de que, para poder substituir os cultivos, é necessário apresentar um plano de conscientização e desenvolvimento social.”
À pergunta sobre se as Farc vão poder ajudar a coordenar esse programa social ou se é um programa estritamente do governo, respondeu: “Creio que seja um programa do governo, no qual é preciso vincular todas as partes que habitam nas regiões.” Uma das reivindicações da guerrilha é o acesso direto a verbas governamentais.
Em entrevista ao Estado, o gerente-geral da Rede de Solidariedade Social da Presidência (equivalente ao Comunidade Solidária), também não descartou essa possibilidade, como decorrência do processo de paz, embora a política do governo, atualmente, seja prestar assistência apenas a comunidades desarmadas.
Cauteloso, Víctor G. não quis confirmar se se reuniria com o seu correlato guerrilheiro, o negociador-chefe das Farc, Raúl Reyes. “Estou indo conversar com as comunidades”, disse, com um sorriso, embarcando, às 13 horas, para San Vicente del Caguán, a principal cidade da zona de distensão.
Em contraste com o tom conciliatório do governo, Reyes declarou, em entrevista transmitida pela televisão no mundo inteiro ontem, que, embora estejam “a favor da paz”, as Farc não têm “vocação para mártir” e continuarão executando “agentes da inteligência militar infiltrados” na área que controlam.