Os eleitores da candidata independente Noemí Sanín, que obteve 26,5% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial colombiana, ficando em terceiro lugar, dão hoje o voto de minerva.
O candidato liberal, Horacio Serpa, e o conservador, Andrés Pastrana, saíram virtualmente empatados da votação do dia 31 (34,37% a 33,97%), com a ínfima vantagem de 40 mil votos para o primeiro. As pesquisas indicam o favoritismo de Serpa neste segundo turno, por diferenças variadas, mas sempre abaixo do número de indecisos e, em alguns casos, até mesmo da margem de erro.
Noemí não declarou abertamente seu voto e muito menos aconselhou seus eleitores a votar nesse ou naquele candidato. Manteve-se coerente com a noção de que seus eleitores são independentes e donos dos próprios votos.
Mas aceitou reunir-se com Pastrana — e não com Serpa — e denunciou o presidente Ernesto Samper por colocar a máquina do governo a serviço do candidato liberal. Um dos assessores mais próximos de Noemí, Misael Silva, chegou a declarar que, “para bom entendedor, meia palavra basta”.
Seu candidato a vice, o professor Antanas Mockus, popular ex-prefeito de Bogotá, disse que votará em Pastrana. Pelo que se especula em Bogotá, poderia ocupar o cargo de ministro da Educação em seu governo. Além do mais, o voto para Noemí opôs-se ao chamado “continuísmo”, muito mais representado por Serpa — ex-membro do atual governo — que por Pastrana.
Mesmo assim, Pastrana parece encaminhar-se para um penoso déjà vu. Há quatro anos, perdeu para o liberal Samper no primeiro turno por menos de 20 mil votos e, no segundo, por 157 mil. Pastrana garantiu que, se não for eleito desta vez, deixará a política, embora seus 44 anos de idade e seu perfil de político ambicioso sugiram o contrário.
Serpa, de 55 anos, consolida-se como um sobrevivente. Tem sido o maior defensor do presidente Samper, politicamente morto e enterrado, e venceu o primeiro turno, quando as pesquisas punham em dúvida sua capacidade de sequer passar para o segundo.
Houve uma certa desmoralização das pesquisas. Mas os institutos garantem que fizeram os ajustes necessários, aumentando o peso relativo da Costa Atlântica, reduto liberal. Além disso, como viver sem pesquisas, às vésperas de uma eleição presidencial?
A última é a do Instituto Napoleón Franco, publicada na sexta-feira pelo jornal El Tiempo: Serpa com 44,3%, Pastrana com 38,6%, 7,6% de indecisos e 2,8% de margem de erro. Na quarta-feira, uma pesquisa feita pelo pool do qual participa o jornal El Espectador indicava empate técnico, embora confirmando o favoritismo de Serpa (por 43% a 42%).
Serpa foi coordenador da campanha de Samper, seu ministro do Interior, articulador-mor no Congresso e grande defensor. Não é pouco comprometimento.
Os dois passaram o mandato refutando as acusações de que o presidente sabia da doação de US$ 6 milhões do cartel de Cali para a campanha de 1994. A credibilidade do governo e a imagem da Colômbia no exterior foram profundamente abaladas. Enquanto isso, de 1994 para cá, o desemprego subia de 7,6% para 14,5%.
Então, como explicar o êxito de Serpa? A explicação começa por dois outros índices econômicos: no mesmo período, os gastos públicos subiram de 27,6% para 36,4% do PIB e o déficit público, de 1,4% para 3,8%. Esses gastos bancaram pequenas e numerosas obras em todo o país e uma ostensiva política assistencialista, com as quais Samper assegurou o apoio dos congressistas contra processos de impeachment. Esses favores revertem agora em votos dos redutos liberais.
Num cenário político dominado pelas elites, Serpa tem o carisma de filho de família pobre, retórica poderosa, imagem e discurso populistas, que encantam o eleitorado menos instruído. Em contraste, Pastrana exala modernidade. Fala em baixar os impostos e racionalizar o Estado. É rotulado de “neoliberal” pelos inimigos e o preferido do empresariado. Veste-se como um dândi e, nos últimos anos, passou mais tempo nos Estados Unidos do que na Colômbia.
Outra nuance importante: o escândalo do financiamento da campanha de Samper não manchou apenas a imagem do presidente, de Serpa e dos que os rodeavam.
Atingiu também Pastrana. As primeiras evidências da doação — gravações de conversas entre Samper e gente do cartel — chegaram às mãos do candidato conservador, entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial de 1994.
No calor da campanha, Pastrana teve a exemplar atitude de não utilizá-las, mas entregá-las ao então presidente César Gaviria, liberal, e ao então procurador-geral da república, Alfonso Valdivieso. Só depois do segundo turno vazou a informação da existência das fitas.
Foi a partir daí que Pastrana pecou, aos olhos de parte da opinião pública colombiana. Instalado em Miami, o conservador passou a alardear para o mundo as ligações entre o governo colombiano e o narcotráfico. Fez lobby contra a Colômbia. O governo americano encampou as suspeitas contra Samper. Em 1996 e 1997, negou à Colômbia a certificação, pela qual reconhece os esforços dos governos no combate ao narcotráfico.
Pelo menos para uma parte dos eleitores, foi um tiro no pé de Pastrana, cujo patriotismo ficou sob suspeita. Outro setor do eleitorado considera que chegou a hora de vingar o candidato, derrotado por muito pouco em 1994; e acredita que o país não teria afundado como afundou nos últimos quatro anos se ele tivesse vencido.
Serpa sofreu alguns golpes nos últimos dias. Sua vitória no primeiro turno deixou os investidores nervosos, diante da perspectiva de continuidade das políticas atuais, do seu perfil antiprivatista, populista e nacionalista. O dólar subiu de 1.300 pesos colombianos para 1.390, na sexta-feira. Para conter a inflação (de 20% ao ano, e em curva ascendente), o governo tomou medidas rigorosas — e impopulares — de contenção da liquidez, como a suspensão do crédito aos cheques especiais.
Já a guerrilha se encarregou de desferir um golpe político. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) desautorizaram Serpa como interlocutor num eventual processo de paz. Segundo as Farc, desde as negociações no México, na virada da década, até recentemente, como ministro do Interior, Serpa não tem desempenhado papel relevante no processo.
Credenciar-se como o melhor condutor do processo de paz tem sido uma das principais batalhas entre os candidatos à presidência, desde o primeiro turno. Tanto Serpa quanto Pastrana garantem que se sentarão com os líderes guerrilheiros e paramilitares para pôr fim à guerra civil, que dura três décadas e, combinada ao narcotráfico e a outras formas de crime organizado, mata 30 mil pessoas por ano. Outro grupo guerrilheiro, o Exército de Libertação Nacional (ELN), assinalou, também na semana passada, que nenhum dos dois candidatos se qualifica para as negociações.
Para onde vão os votos de Noemí tem sido a grande questão do intervalo entre o primeiro e o segundo turno. A revista Semana contratou o Instituto Gallup para acompanhar a evolução de 4,2 mil eleitores de Noemí Sanín e do general Harold Bedoya, que ficou em quarto lugar, com 1%. O trabalho começou logo depois do primeiro turno. O primeiro dado: muitos desses eleitores subiram no “trem da vitória” de Serpa. Ou seja, influenciados pelo surpreendente desempenho do liberal, que nenhuma pesquisa previu, passaram a declarar seu voto para ele. Antes do dia 31, as pesquisas indicavam vitória de Pastrana, em caso de confronto com Serpa no segundo turno. A situação inverteu-se logo depois.
Entretanto, os números continuaram oscilando. A instabilidade econômica que se seguiu à vitória de Serpa fez muitos independentes se voltarem uma vez mais para Pastrana. No dia 5, o conservador obtinha vantagem de 15 pontos porcentuais, nesse grupo de eleitores. Dois dias depois, ocorria o primeiro debate entre os dois candidatos. E aí, um fenômeno curioso: os votos em branco dos independentes subiram de 12% para 16%, exprimindo um desancanto com os dois candidatos. Novo debate, no dia 10, se encarregaria de mudar o quadro mais uma vez, em favor de Pastrana — que ao final do levantamento, dia 11, tinha quase 14 pontos à frente de Serpa.
Numa projeção do impacto que esses votos teriam sobre o cômputo geral do segundo turno, somando-os aos votos obtidos por cada candidato no primeiro, a revista concluiu que Pastrana venceria com 5 milhões de votos, contra 4,6 milhões para Serpa. Entretanto, não é o que indicam as pesquisas, e por uma razão simples: o levantamento do Gallup esteve restrito às cinco maiores cidades do país. E é no interior que a máquina do Partido Liberal, conjugada com a máquina do Estado, funciona com maior eficácia.
Para além das questões mais conjunturais, é preciso levar em conta a tradição e a força dos dois grandes partidos colombianos, ambos centenários.
Muitos colombianos votam ou nos liberais ou nos conservadores porque foi assim que suas famílias sempre votaram.
Pastrana foi beneficiado por uma importante dissidência de políticos e eleitores tradicionais do Partido Liberal. Alguns desses dissidentes continuarão a seu lado, como o ex-procurador Alfonso Valdivieso. Mas outros, que votaram em Noemí no primeiro turno, se voltam para Serpa no segundo, como o ex-presidente Alfonso López (1974-78). São políticos e eleitores que podem não gostar de Serpa e de Samper, mas jamais votariam num conservador.
Nesse contexto, há um cálculo interessante, que pode explicar a vantagem de Serpa nas pesquisas. Nas eleições parlamentares de março, o Partido Liberal obteve 600 mil votos a mais do que Serpa no primeiro turno. Assim, a máquina liberal poderia agora atrair esse resíduo. Já Pastrana teve precisamente o mesmo número de votos que o total obtido pelo Partido Conservador em março.
Apesar de todas essas considerações, o primeiro turno mostrou os colombianos — ou pelo menos os que se dispõem a votar, que são metade dos 20 milhões de eleitores — divididos em um terço de liberais, um terço de conservadores e outro terço que rejeita os dois partidos. São esses, agora, que terão de tapar o nariz e escolher um dos dois, para decidir o futuro da Colômbia.