Em 1996, Wu Jie embarcou num avião com mais 12 executivos da aldeia de Huaxi, na província de Jiangsu, sudeste da China, e foi conhecer São Paulo, Rio e Brasília.
HUAXI, China – O objetivo da viagem: investir em terras no Brasil. “Visitamos várias fazendas”, recorda Jie, hoje diretora da escola de Huaxi. “Achamos longe demais. Tivemos medo de fracassar.”
Huaxi, um conglomerado de 80 fábricas com capital aberto na Bolsa de Valores de Shenzhen, não desistiu do investimento no exterior. Em 2006, a aldeia-holding (cujos moradores são sócios) investiu US$ 3 milhões numa mina de cobre no Estado mexicano de Sinaloa (oeste).
Na época da missão de Jie para o Brasil, o então líder da aldeia, Wu Renbao, determinou que aqueles que falassem línguas estrangeiras teriam salários mais altos. Zhao Zhirong, então com 18 anos, foi estudar espanhol na Universidade de Línguas de Pequim, porque achava que era a língua falada no Brasil. “Fue una equivocación”, admite hoje sorrindo. A proeficiência de Zhao, hoje vice-diretor de relações públicas do Partido Comunista local, acabou sendo aproveitada no México.
“Todos os que estão aqui estudaram no exterior”, exultou Wu Renbao durante entrevista ao Estado, apontando para quatro funcionários do PC de Huaxi. Em outubro, a aldeia promoverá uma festa para mostrar a cidade ao mundo, e pagará as despesas de viagem e estadia de 400 convidados estrangeiros.
Huaxi pode ser um caso extremo: com seu faturamento anual de US$ 6,62 bilhões, tem dinheiro sobrando para investir. Mas essa aldeia fincada no interior da China exemplifica bem o ímpeto do antigo “Império do Centro” de abraçar o mundo – com a Olimpíada vista como a grande oportunidade de apresentar-se a ele. Como Huaxi, a China tem gás para isso: suas reservas ultrapassam US$ 1,7 trilhão. Na primeira metade de 2008, os investimentos diretos chineses fora do país triplicaram, atingindo US$ 25,7 bilhões. Em todo o ano passado, as companhias chinesas haviam investido no exterior US$ 18,7 bilhões – aumento de 6,3% em relação a 2006.
Esses investimentos são concentrados em projetos para garantir o suprimento de matéria-prima para sustentar o acelerado crescimento econômico, num país de recursos naturais exauridos. Na África Subsaariana, onde a globalização à chinesa é mais ostensiva, o país explora petróleo, cobre e outros minérios, e paga precisamente com a construção da infra-estrutura necessária para o escoamento desses produtos para a própria China: estradas, ferrovias e portos. Sem a menor condição de interagir com culturas tão destoantes da sua, os chineses se isolam em complexos residenciais nas cidades africanas.
A China volta-se agora para a América Latina, em especial o Brasil, onde pretende investir bilhões de dólares em projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) – aparentemente, só depende de o próprio plano ser posto em prática.
Se mantiver o ritmo de crescimento, a China, hoje a quarta economia do mundo, deve ultrapassar os Estados Unidos nas próximas décadas – segundo o economista Albert Keidel, do Carnegie Endowment for International Peace, em 2035. Será interessante – se não assombroso – assistir à China na sua marcha para se tornar o novo império global. Hoje, ela é um continente voltado para si mesmo, cuja população, em quase a totalidade, não fala outra língua que não o dialeto local, nunca viajou para fora de sua província e não faz idéia de onde fica, por exemplo, a América do Sul. As escolas chinesas perseguem metas ambiciosas de ensino do inglês para as crianças – por si só uma revolução geracional.
Ao se lançar sobre o mundo, a China nunca mais será a mesma – e o mundo também não.