Os carros da polícia entraram com grande espalhafato na pequena aldeia de Gao
GAO, China – Os moradores saíram na rua de terra, pensando que iam assistir à prisão do chefe da aldeia, que tinham denunciado às autoridades do distrito, por cobrar impostos indevidamente e embolsar verbas do governo central. Em vez disso, os policiais saíram prendendo todos os adultos que viram pela frente – ao todo, 51 dos 100 moradores da aldeia. Cúmplice do chefe do Partido Comunista no distrito, o líder da aldeia decidira dar uma lição nos seus moradores.
Gao se tornou um dos símbolos dos desmandos dos secretários locais do Partido Comunista, que ignoram as diretrizes do governo central e criam as próprias regras para enriquecer e permanecer no poder. A onda de protestos dos camponeses em várias aldeias de Anhui, província pobre e essencialmente agrícola do leste da China, preocupou o governo em Pequim pelo seu potencial desestabilizador.
Isso foi há 15 anos. Hoje, Gao e outras aldeias de Anhui vivem em aparente calma. Há cinco anos, conta o agricultor Zhang Zhen, o primeiro-ministro Wen Jiabao conseguiu finalmente eliminar a cobrança, pelos chefes locais, de impostos sobre a produção agrícola – proibida por lei em 1999 em Anhui e estendida em 2001 para todo o país. A retenção das verbas pelo chefe da aldeia também acabou, acrescenta Gao Xiangzhi, depois que o governo central começou há três anos a enviá-las para a sede do distrito, em Linchen, a 10 km de Gao (os níveis administrativos na China são: aldeia, distrito, condado, província e governo central).
Os problemas, agora, são outros: o custo do fertilizante e do óleo diesel para os tratores. Toda família costuma ter um pequeno trator, com uma carreta, para trazer o milho, o trigo, a soja, o algodão e o amendoim da roça para a aldeia, onde os compradores vêm buscar de Bengbu, cidade a 60 km de Gao.
A terra dessa região é boa e não falta água – ao contrário, o Rio Beituo inundou no ano passado, arruinando a safra. Mesmo assim, Zhang gasta em fertilizantes 300 iuanes (US$ 44,11) por ano em cada mu (área equivalente a 1/15 hectare). Ele tem 10 mus (0,6 hectare) de terra – poucos agricultores chegam a ter 1 hectare na China. Há dois anos, o governo começou a subsidiar o fertilizante, dando 50 iuanes (US$ 7,35) por mu. Os 2.500 iuanes (US$ 367) que Zhang coloca do bolso por ano em fertilizantes pesam no seu orçamento: num ano bom, como este, cada mu rende mil iuanes – 10 mil (US$ 1.470), no seu caso. É pouco, para sustentar os oito membros da família que vivem da terra – ele e a mulher, três filhos e dois netos. E há ainda o diesel, a 6,2 iuanes (US$ 0,91) o litro.
Com renda tão baixa e despesas tão altas, muitos agricultores trabalham como pedreiros nas entressafras. E não só os homens. Gao Liushan, de 35 anos, mostra os sapatos e as meias sujos de lama, voltando de uma obra em Linchen. Ela e o marido, Qunmeng, da mesma idade, ganham 60 iuanes (US$ 8,82) por dia na construção civil. Seu filho de 15 anos passa de segunda a sexta em sua escola no povoado de Huangwan, a 6 km da aldeia, onde come e dorme, e a mãe de Qunmeng, de 76 anos, cuida da casa.
Huang Jiasheng, de 22 anos, ganha mil iuanes (US$ 147) por mês trabalhando como pedreiro em Suzhou, a 360 km de Zhang. Ele vem nos períodos de colheita para a aldeia, onde sua mulher e seu bebê moram na casa de seus pais. Os moradores de Zhang e de Gao podem ir buscar sustento longe – mas nunca abandonam sua aldeia. “A vida está melhorando a cada tempo que passa”, assegura Zhang.
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