Economia chinesa pode manter ‘velocidade de cruzeiro’

Para economista, indicadores macroeconômicos não conduzem necessariamente a um ‘pouso’

PEQUIM – Nem pouso suave nem aterrissagem forçada. O avião da economia chinesa tem tudo para se manter em velocidade de cruzeiro nos próximos anos. A tese, do economista Chen Kwan-yiu, da Universidade de Lingnan, em Hong Kong, causou alguma perplexidade num seminário recente: até mesmo o governo chinês tem reconhecido, com medidas concretas, o aquecimento excessivo da economia.

Por extravagante que seja, o otimismo de Chen merece um mergulho atualizado nos indicadores chineses – os reconfortantes e os nem tanto assim. Falando a 24 executivos numa mesa-redonda promovida há duas semanas pelo jornal China Daily, Chen comparou a situação da economia chinesa com a de dez anos atrás.

No início dos anos 90, lembrou, a inflação estava na casa dos 15% a 20%. O dado anualizado de abril é de 3,8% – o mais alto dos últimos sete anos. A maior parte dos aumentos de preços ocorre nos alimentos e na energia. Nos últimos 12 meses, os cereais subiram 40%. Tirando a pressão desses dois itens, a inflação seria de 0,5%, calcula Chen.

Outro problema que havia na época e hoje não há, argumentou o economista, é o sobe-desce no crescimento da atividade econômica. Em 1990, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,8%; no ano seguinte, 8,4%; em 1992, 12,5%. Já nos últimos cinco anos, o crescimento tem ficado relativamente constante, entre 7% e 9% ao ano. Isso prova, na visão de Chen, que a economia chinesa não está submetida a um movimento cíclico.

Durante a crise do Sudeste Asiático (1997), havia expectativa de desvalorização brusca da moeda chinesa, o yuan. Depois de acumular sucessivos superávits comerciais com os Estados Unidos, na casa dos US$ 50 bilhões, e reservas cambiais da ordem de US$ 450 bilhões, há uma pressão para que a China valorize a moeda. Também não é o caso, acredita Chen.

Essa é a percepção também de analistas mais próximos ao governo chinês. O professor Yan Cheng Le, da Universidade de Pequim, ex-membro do Centro de Desenvolvimento Econômico e do Departamento de Planejamento Econômico, disse ao Estado que o yuan, fixado atualmente em 8,21 por dólar, não deverá sofrer variação. “Se aumentar o valor, é ruim para as exportações; se diminuir, é ruim para os investidores estrangeiros”, resumiu Yan.

Além disso, afirma Chen, um paralelo entre o dólar e o yuan tem de levar em conta a capacidade de consumo e de poupança dos EUA e da China. “Os americanos não poupam praticamente nada, mas os chineses têm uma taxa (de poupança) de 30% a 40%, similar à do Japão nos anos 70.” A menos que essa correlação mude, sustentou o economista, não haverá “pressão real” sobre o câmbio na China.

Tomando o pulso de outros indicadores da economia chinesa, tem-se um outro quadro. O estoque de investimentos em ativos fixos (máquinas, equipamentos, etc.) pelas empresas alcançou, no primeiro trimestre, US$ 106 bilhões – um crescimento anualizado de 43%. Em si mesmo, isso é uma boa notícia.

Acontece que parte desses investimentos privados está respaldada em empréstimos sem lastro oferecidos por bancos das províncias, que disputam entre si a fixação de parques industriais e projetos de urbanização, com grande autonomia para oferecer créditos e incentivos.

Os sinais mais visíveis de superaquecimento – e dos perigos que ele encerra – estão no mercado imobiliário. O estoque de investimentos no setor, acumulado ao longo dos últimos anos, de US$ 1,36 trilhão, chegou, em maio, perto do equivalente a um PIB, ou seja, tudo o que o país produz em um ano (US$ 1,38 trilhão em 2003).

Os preços dos imóveis nas 35 principais cidades do país aumentaram 7,7% somente no primeiro trimestre deste ano, segundo o Departamento Nacional de Estatísticas. Em Xangai, literalmente um canteiro de obras, o aumento foi de 28,3% no período.

A especulação imobiliária tem reflexo direto sobre o sistema financeiro. Os empréstimos bancários para o setor cresceram 45% entre 2002 e 2003. De acordo com estimativa feita no fim de outubro, empréstimos feitos ao setor imobiliário representam 10% da inadimplência total no sistema financeiro, que somava US$ 1,6 trilhão.

O boom imobiliário chinês continua encantando especialistas como o suíço Marc Faber, administrador de fundos e espécie de guru em investimentos na Ásia, baseado em Hong Kong. Numa palestra para investidores promovida pelo Crédit Suisse no mês passado, em Zurique, Faber recomendou aplicar dinheiro em imóveis nas metrópoles chinesas, qualificando-os de “o investimento mais atraente”.

“Estou convencido de que novos centros metropolitanos aparecerão na China”, disse Fabers à revista do Crédit Suisse. Segundo ele, 20 milhões de chineses se mudam anualmente do campo para a cidade. “A cada ano, a China tem de construir 20 cidades do tamanho da Grande Zurique.”

O ritmo do crescimento é visto com sobriedade chinesa pelo professor Yan. “Partimos de uma base pequena”, pondera. O Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, em 2002, estabeleceu a meta de quadruplicar o PIB até 2022 – repetindo o desempenho dos últimos 20 anos.

Para este ano, o governo chinês fixou uma meta de 7% – o que representaria uma desaceleração, em relação ao 9,1% do ano passado. Para isso, aumentou o depósito compulsório dos bancos de 6% para 7,5% (no Brasil, é de 23%), e orientou as províncias a adotarem mais rigor na aprovação de projetos de investimentos.

Mas está longe de ser uma sangria desatada. “A economia chinesa não está sofrendo um superaquecimento generalizado, portanto um aperto total é desnecessário e injustificado”, assegura Li Deishui, diretor do Departamento Nacional de Estatísticas.

Resta esperar que os otimistas estejam certos. Como diz o próprio Chen Kwan-yiu, parafraseando o príncipe austríaco Clemens von Metternich sobre a importância da França na Europa de 1848: “Quando a China espirrar, o mundo todo não pegará só um resfriado. Pegará Sars.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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