Lula prometeu estudar o pedido; em troca, Brasil quer apoio a assento no Conselho de Segurança
PEQUIM – O presidente Hu Jintao pediu ontem ao Brasil que conceda à China o status de “economia de mercado”, perante os organismos multilaterais. O pedido foi feito durante reunião privada de meia hora com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Povo, em Pequim. Lula confirmou seu apoio ao regime chinês no campo dos direitos humanos. Em contrapartida, pediu a Hu apoio à reivindicação brasileira de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Lula ficou de estudar o pedido do colega chinês.
De acordo com o chanceler Celso Amorim, a tendência do governo brasileiro é conceder esse status para “pelo menos” alguns setores da economia chinesa, como faz a União Européia. O status de economia de mercado dificulta a aplicação de medidas de salvaguarda e antidumping por outros países em casos de contendas comerciais.
Pelas normas da Organização Mundial do Comércio, da qual a China é membro desde dezembro de 2001, países com alto grau de intervenção do Estado na economia estão mais passíveis de serem considerados culpados em processos por práticas comerciais irregulares.
De sua parte, o governo chinês manteve a posição de não apoiar explicitamente a reivindicação do Brasil no Conselho de Segurança, ao contrário do que tem feito a maioria dos países visitados por Lula e pelo seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, incluindo a Rússia, que, como a China, é membro permanente, com direito a veto.
Comunicado de quatro páginas firmado ao término da reunião se limita a dizer que os dois presidentes “expressaram a necessidade de reforma das Nações Unidas, inclusive a do Conselho de Segurança, de forma a torná-lo mais representativo e democrático, promovendo as reformas necessárias e adequadas naquele órgão, que dêem maior papel aos países em desenvolvimento”.
O porta-voz da chancelaria chinesa, Liu Jianchao, disse, depois da reunião, que “a China considera o Brasil o país em desenvolvimento maior e mais importante do Hemisfério Ocidental e apóia um maior papel do Brasil nos organismos internacionais, incluindo o Conselho de Segurança”.
Fontes do Itamaraty acreditam que os chineses tenham receio de melindrar outros parceiros comerciais na América Latina, como o México e a Argentina, apoiando abertamente o assento permanente para o Brasil. O Japão e a Índia, dois tradicionais rivais da China na Ásia, também reivindicam um assento. Segundo Amorim, o Brasil ficou satisfeito com a formulação do tema no comunicado conjunto.
“O presidente Lula disse que está consciente de que hoje a proteção aos direitos humanos faz parte da Constituição chinesa e relembrou a posição do Brasil na Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas”, contou o chanceler, ao fazer um relato da reunião. Em abril, durante reunião da comissão em Genebra, o Brasil votou pela primeira vez a favor da moção chinesa pedindo que os assuntos internos da China nessa área não fossem debatidos. Tradicionalmente, o Brasil se abstinha quando algum país pedia a discussão sobre os direitos humanos na China, o que acontece todos os anos.
“Isso tem a ver tanto com a evolução chinesa – a inclusão dos direitos humanos na Constituição – quanto com a própria maneira que o Brasil acha que os temas dos direitos humanos devem ser tratados na Nações Unidas, sem seletividade, porque, às vezes, há uma seletividade no tempo e no espaço”, explicou Amorim. “Por exemplo, se uma grande potência negocia um acordo comercial com um país A ou B, aí não entra o tema direitos humanos. Se ela já negociou ou não vai negociar, o tema direitos humanos entra. Achamos que o tema direitos humanos é global”, concluiu o chanceler.
Na conversa e no comunicado, o presidente Lula reafirmou o compromisso brasileiro com o reconhecimento de uma só China, com capital em Pequim. Lula lembrou Hu de que, no começo do ano, durante a campanha presidencial em Taiwan, quando se falou na realização de um plebiscito para discutir a independência do país, o Brasil emitiu nota deixando clara essa posição. E acrescentou que “o Brasil apóia os esforços de Pequim para a reincorporação progressiva e pacífica de Taiwan à China”, de acordo com o relato de Amorim.
A reunião privada foi seguida de um encontro ampliado de uma hora, do qual participaram os sete ministros brasileiros que acompanham o presidente na viagem, e seus correlatos chineses. Como se trata de visita de Estado, Lula foi recebido com honras militares no imponente palácio, localizado ao lado da Cidade Proibida, onde moravam os imperadores chineses.
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