399 representantes de 250 empresas se inscreveram no Itamaraty para ir a Pequim e Xangai
A expressão “negócio da China” ganha nova dimensão:
São empresas dos mais diversos setores – do agronegócio ao aeroespacial, do minério de ferro aos automóveis – que pretendem tomar parte no mais autêntico “espetáculo de crescimento” em marcha. De 1995 para cá, o Produto Interno Bruto chinês cresceu a uma média anual de 8,2%. Para uma população de 1,3 bilhão de pessoas, cuja renda per capita tem crescido na faixa dos 7% ao ano, os recursos naturais e a produção industrial locais simplesmente não dão conta.
“A China é uma esponja”, define o chefe do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, embaixador Mario Vilalva. Suas importações têm crescido ao ritmo de 14% ao ano nas duas últimas décadas, somando hoje US$ 413 bilhões. A produção industrial cresceu 19% em março, alimentando a demanda por insumos e matérias-primas.
A importação de produtos brasileiros vem crescendo bem acima da média dos outros fornecedores. Entre 2002 e 2003, o aumento foi de 80%. Com isso, a China se tornou a 3.ª no ranking dos importadores de produtos brasileiros, depois dos Estados Unidos e da Argentina. Este ano também promete. No primeiro trimestre, as importações chinesas de produtos brasileiros aumentaram 54% em comparação com o mesmo período do ano passado.
A China é muito mais importante para o Brasil do que vice-versa, embora o saldo comercial seja amplamente favorável ao Brasil – que importou US$ 2,147 bilhões e exportou US$ 4,532 bilhões para a China no ano passado. O Brasil é o 17.º fornecedor para a China e o 24.º destino dos produtos chineses.
Mas, do ponto de vista do valor agregado, a relação tende um pouco mais para o equilíbrio. “A idéia é não repetir o modelo de aproximação comercial ocorrido no passado com o Japão”, diz Vilalva, referindo-se à marcante divisão entre fornecimento de matérias-primas, do lado brasileiro, e de produtos de alta tecnologia, do lado japonês. Além de produtos como soja e minério de ferro, a pauta de exportações inclui máquinas e equipamentos, autopeças e veículos. A Voith Siemens, em consórcio com a General Electric, fornece componentes para 6 das 26 turbinas e geradores da Hidrelétrica de Três Gargantas, a maior do mundo. Da encomenda total de US$ 160 milhões, US$ 47 milhões são fabricados no Brasil.
Os investimentos também são de mão dupla. A Embraer (aviões) e a Embraco (compressores para refrigeradores) têm fábricas na China. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já investiu cerca de US$ 100 milhões na construção dos satélites CBERS, em parceria com a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial. Desde 1999, dois já foram lançados da plataforma em Taiyuan, no norte da China, e a construção de mais dois foi aprovada.
A Brasilinvest e a Citic, conglomerado estatal de bancos e empresas de diversos setores, vão selar, durante a visita, a criação de uma companhia para gerir investimentos chineses no Brasil. Com ativos de US$ 80 bilhões, a Citic foi criada em 1979 pelo então presidente Deng Xiaoping, o arquiteto das reformas rumo à economia de mercado, para financiar e executar grandes empreendimentos.
O presidente da Brasilinvest, Mário Garnero, prepara perfis de projetos para apreciação dos chineses. Um deles é a modernização e a ampliação de um trecho da Ferrovia Norte-Sul e do Porto de Itaqui, no Maranhão, com a construção de um porto graneleiro. Outro é a interligação da Ferronorte, em Mato Grosso, com a Norte-Sul. A finalidade é o escoamento de produtos agrícolas, sobretudo soja, do Centro-Oeste.
Há também a idéia de modernizar os portos de Sepetiba, no Rio, de Caravelas ou de Ilhéus, na Bahia, para o escoamento de minérios.
Outros dois projetos são na área de energia. Um deles seria um gasoduto da Bacia de Campos, no Rio, para o Norte e Nordeste; ou da Bacia de Santos, das reservas recém-descobertas, para São Paulo. A primeira opção agrada mais à Petrobrás; a segunda, aos chineses.
A outra idéia seria uma parceria com a Petrobrás para explorar reservas de petróleo na costa de São Tomé e Príncipe, no oeste da África, visitada pelo presidente Lula no ano passado. A Petrobrás entraria com a tecnologia de águas profundas e os chineses, com o dinheiro.
Os investimentos devem ser pagos com matéria-prima, embora possam gerar exportações também para terceiros países. A Citic tem disponíveis entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões para investir no Brasil. “É uma invasão chinesa”, brinca Garnero.
No Brasil também está em gestação uma ambiciosa proposta, que implica mudança na matriz energética chinesa. A Ethanol Trading, que reúne cerca de 200 produtores de álcool carburante de diversos Estados do Brasil, pretende entrar no mercado chinês, oferecendo uma alternativa à gasolina.
A poluição atinge níveis críticos em cidades como Pequim, Xangai e Hong Kong. A China já tem um programa de adição de 3% a 10% de etanol na gasolina de parte da frota, mas a extração do álcool da cana-de-açúcar, mandioca e milho concorre com o abastecimento da população, outro gargalo enfrentado pelo país.
A General Motors, a Volkswagen e a Fiat da China importam carros fabricados pelas filiais brasileiras, como a Blazer, o Golf, o Gol e o Palio, o que facilitaria a transferência da tecnologia flexfuel, um chip desenvolvido no Brasil que regula o motor para a adição de álcool em qualquer teor, até 100%.
Roberto Gianetti da Fonseca, secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior no governo Fernando Henrique e coordenador da criação da trading, prevê que de imediato possa ser firmado contrato de exportação de 300 a 500 milhões de litros por ano. Em dois ou três anos, o montante pode saltar para 2 a 3 bilhões de litros – cerca de um quarto do mercado brasileiro, de 11,5 bilhões. Isso, para abastecer uma pequena parcela da frota chinesa, estimada em 30 a 35 milhões de veículos. Assim é a China.
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