Plano Diretor prevê estímulos a moradias nas áreas centrais
Existe uma solução para o colapso da circulação em São Paulo e noutras grandes cidades: a mistura de usos residencial e comercial. O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, aprovado em 2002, prevê estímulos ao aumento de moradias nas áreas centrais, e de comércio, serviços e até mesmo indústrias nas áreas periféricas. E dá à Prefeitura os instrumentos, como incentivos fiscais e concessões de direito de construir acima das normas, chamadas de operações urbanas. Alguns urbanistas ainda consideram tímida a aplicação desses instrumentos em São Paulo.
O Plano criou as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), nas quais a Prefeitura pode estipular a porcentagem de unidades habitacionais para baixa renda e de padrão mais alto, combinadas com a presença de comércio e serviços. De acordo com o urbanista Nabil Bonduki, superintendente de Habitação Popular na gestão Luiza Erundina (1989-92) e depois, como vereador, relator dos Planos Diretores Regionais, previram-se 200 Zeis em áreas vazias ou de cortiços e de galpões, quase 100 delas na área central da cidade. Elas poderiam reverter a expulsão de cerca de 200 mil moradores da região central entre 1980 e 2000. Outras 700 Zeis abrangeriam bairros periféricos, loteamentos clandestinos e reurbanização de favelas.
Cortiços e favelas são aplicação espontânea e precária do conceito de morar perto do trabalho. Quando possível, é melhor tornar esses lugares habitáveis do que expulsar seus moradores para longe de seus empregos e de outras necessidades cotidianas. Essa era a intenção do Projeto Cingapura, criado na administração do prefeito Paulo Maluf (1993-96), que construiu edifícios no lugar das favelas para seus moradores. Na gestão de Maluf foram 20 mil unidades habitacionais, na seguinte, de Celso Pitta, 5 mil, e na de Marta Suplicy, outras 5 mil (já com o nome Prover). Muitas delas “favelizaram-se”, no entanto, pela degradação e controle do tráfico.
Lair Krähenbühl, criador do Cingapura e atual secretário de Habitação do Estado de São Paulo, diz que o que faltou foi um acompanhamento posterior do projeto, com ações de assistência social. Mas ele continua perseguindo a ideia, removendo moradores de cortiços para edifícios na mesma região, urbanizando favelas e levando parte de seus moradores para conjuntos habitacionais também próximos.
“É preciso inserir o homem na cidade, e não levar a cidade para assentamentos”, disse o secretário ao Estado. “O ideal é que ele volte a pé para casa”. Como sempre terá de haver mobilidade, a Secretaria de Habitação firmou convênios com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e com a São Paulo Transportes S/A (SPTrans), para participar dos estudos sobre novas estações e linhas de ônibus, e assim criar ou qualificar moradias ao redor e ao longo delas. “Se não, criam-se favelas em torno”, diz Krähenbühl, para quem a lógica perseguida pelo urbanismo é a dos “três Ts”: teto, trabalho e transporte.
Na contramão da política de todos os governos de facilitar a casa própria, o geógrafo Renato Balbim, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considera que esse sonho de consumo agrava o confinamento nas grandes cidades. Balbim ressalta que, mesmo que um trabalhador tenha a sorte de comprar sua casa perto do trabalho, ele mudará de emprego várias vezes ao longo da vida – ou perderá a chance de melhorar de vida, por causa das dificuldades de deslocamento.
Por isso, o pesquisador, especialista em reestruturação urbana, considera que as políticas habitacionais deveriam pôr mais ênfase no aluguel. Segundo ele, isso representaria uma economia para os programas habitacionais, já que excluiria o custo da especulação imobiliária contida nos preços dos terrenos e das construções vendidas. Assim, os recursos atenderiam a mais pessoas. “É perverso exigir que o pobre separe 30% de sua renda para aquisição da propriedade”, diz Balbim.
Em contrapartida, é possível conciliar a necessidade de gerar emprego com a de oferecer serviços como saúde, educação, cultura e lazer mais perto de casa, considera o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP, especialista em descentralização. Segundo ele, a saúde é o setor que gera mais riqueza nos EUA, representando 16% do PIB. Já no Brasil, a educação reúne 60 milhões de pessoas – entre alunos, professores e funcionários -, ou um terço da população. Esses dois serviços são eminentemente locais, argumenta Dowbor, assim como obras de infraestrutura e de habitação, acesso à internet, cultura e lazer – todos intensivos em mão de obra.
Assim, o especialista defende a destinação prioritária dos recursos públicos para esses serviços, para evitar que a população tenha de se deslocar para encontrá-los e ao mesmo tempo para que ela tenha mais opções de emprego perto de casa.