Pinochet chora ao deixar comando do Exército

SANTIAGO – O militar há mais tempo na ativa no mundo, o capitão-general Augusto Pinochet Ugarte, entrou ontem para a reserva, depois de 65 anos de serviço no Exército chileno.

Numa cerimônia de extraordinária pompa e circunstância, na Escola Militar, onde ingressou em 1933, Pinochet entregou o cargo de comandante-chefe para o general Ricardo Izurieta, por ele escolhido.

O ato estava previsto na última das disposições transitórias da Constituição chilena, outorgada por Pinochet em 1980 e emendada entre 1988 e 89.

Tecnicamente, representa o fim do processo de transição d emocrática, iniciado com o plebiscito de 1988, em que 57% dos chilenos disseram “não” à permanência de Pinochet na presidência.

Politicamente, no entanto, essa noção é controvertida: muitos analistas acham que a transição só se completará com a morte física do ex-ditador, que ainda exerce bastante influência sobre as Forças Armadas e setores da política e da opinião pública e assume hoje o cargo de senador vitalício.

Pinochet chegou pouco depois das 10 horas, efusivamente saudado por cerca de 3,5 mil simpatizantes, que se dividiam entre as duas entradas da Escola Militar. No pátio, 5 mil soldados das mais diversas unidades das Forças Armadas chilenas mantiveram-se em formação. No estilo de uma parada militar, eles desfilaram durante a cerimônia, expondo os ingredientes da formação prussiana dos militares chilenos, como o exuberante passo de ganso, os capacetes de abas dobradas e o desenho dos uniformes.

Pinochet exibiu boa forma, apesar dos 82 anos e da diabete. Manteve-se de pé durante boa parte do tempo, levantando-se rapidamente, quando necessário, apoiando-se com uma só mão sobre o braço da poltrona. A cerimônia durou cerca de uma hora e meia, durante a qual Pinochet postou-se ao lado do presidente Eduardo Frei, que não deu um sorriso sequer.

Izurieta recebeu das mãos de Pinochet o galardão que o acompanhou por 24 anos e uma réplica da espada do libertador Bernardo O’Higgins. Já o bastão de mando, Pinochet entregou ao presidente, que, solenemente, repassou-o para Izurieta. Depois disso, o novo comandante-chefe foi ao microfone e exclamou:

“Ricardo Izurieta assume o comando do Exército do Chile – sempre vencedor, nunca vencido!”, seguido de um grito de “viva” dos soldados na sua frente.Pinochet foi o único que discursou. Falando por cerca de 20 minutos, o general não se furtou a temas delicados, como o próprio golpe de 1973, que procurou justificar, e o atentado do qual escapou por pouco, em 1986.

O discurso foi interrompido cinco vezes, para aplausos acalorados dos cerca de 150 militares e civis que ocupavam uma grande varanda em frente do salão de entrada da Escola Militar, que serviu de palanque.

Algumas mulheres de oficiais verteram lágrimas do início ao fim, sobretudo quando o general exaltava o patriotismo seu e de seus colegas de armas, e quando homenageou sua mulher, Lucia. Nesse ponto, o próprio Pinochet não conteve a emoção e passou da voz embargada para o choro, ao som dos aplausos. O presidente, os ministros e os diplomatas eram os únicos que se mantinham impassíveis.

O Brasil esteve representado pelo embaixador Gilberto Velloso. O chefe do Estado-Maior, Gleuber Vieira, o equivalente brasileiro do comandante-chefe chileno, foi convidado, mas não compareceu, assim como o ministro do Exército, Zenildo Lucena. A versão oficial brasileira é a de que não estava mesmo nos planos um deles vir. Mas uma fonte do Exército chileno disse que a ausência foi estranhada: “Geralmente, são os convidados que se convidam.

Então, por que não vieram?”

Os outros três comandantes convidados compareceram: o presidente do Comando Conjunto das Forças Armadas do Peru, Nicolás de Bari Hermoza Ríos, o comandante-chefe do Equador, César Durán, e o da Argentina, Martín Balza.

Balza é amigo de Pinochet. No percurso entre sua casa particular e a Escola Militar, Pinochet passou por sua residência oficial, onde conversou, por 20 minutos, com Balza, que lhe deu um presente.

Nas imediações da Escola Militar, só havia manifestantes favoráveis a Pinochet. Nos vários intervalos de silêncio durante a cerimônia eram ouvidos seus gritos de “Chi-chi-chi, lê-lê-lê, viva o Chile e o presidente Pinochet.” Muitas senhoras de classe média integravam a multidão. Entre elas estava Silvia Rubio Santam aría, de 73 anos. “Estou aqui para agradecer ao general pela defesa que fez de nossa pátria”, disse ela ao Estado. “Se não fosse ele, estaríamos como em Cuba.”

Indagada se não se ressentia pela ruptura da democracia entre 1973 e 1990, Norma Rubio, de 62 anos, disse que “a democracia não serviu para nada” e “o que serviu foi o governo de Pinochet, que consertou o país”.

Já dentro do pátio da Escola Militar, um dos supostos locais de tortura durante os anos negros de 1973-78, estava a presidente do Círculo Cinco Estrelas, espécie de fã-clube de Pinochet. A presidente, Mónica Hernández, vendedora de 35 anos, disse que tem a “felicidade” de conhecer pessoalmente o seu ídolo: “Pinochet é uma pessoa, assim, muito humana, que chega ao fundo; uma pessoa, assim, como o papa.”

 

Ainda ontem, parlamentares do governnate partido Democracia Cristã aceitaram por 21 votos contra 20 que um grupo de deputados apresente ao Congresso um juízo político contra Pinochet. A decisão representa uma derrota para Frei e para a direção do partido, que se opunha tenazmente ao processo.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*