Agora a política industrial aparece como condição para ambiente macroeconômico favorável
Os programas econômicos e as declarações dos candidatos a presidente – incluindo o do governo, José Serra, ainda que em menor intensidade – fazem crer que agora é a política industrial que serve de condição para um ambiente macroeconômico favorável, na medida em que incremente as exportações, reduzindo a vulnerabilidade externa, e empurre o crescimento econômico, gerando arrecadação e emprego e permitindo até mesmo a queda dos juros e, quem sabe, da carga tributária.
“É bom demais para ser verdade, você não acha?”, ironiza o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. “No Brasil, temos saudade de Juscelino Kubitschek, e há a percepção generalizada de que o governo faz o desenvolvimento que quiser. Não é uma reunião de condições, mas de vontade política.”
“A verdadeira política industrial é a que gera condições para o florescimento da atividade privada, para o aumento da produtividade e da competitividade”, diz Mailson. “Isso é óbvio e básico no mundo todo. Só aqui que é um anátema.”
Mailson cita um artigo no último número da revista The Economist sobre estudo da consultoria McKinsey acerca do baixo desempenho da indústria britânica, comparada à dos EUA, França e Alemanha. “O estudo diz que a melhor coisa que o governo pode fazer para a indústria é criar um ambiente mais competitivo, em vez de cortejá-la com isenções fiscais, incentivos e outros tratamentos especiais”, afirma o artigo.
“Tendo passado 30 anos no governo, não acredito que ele possa reunir um grupo de burocratas capazes de escolher os vencedores”, duvida Mailson, ex-funcionário de carreira. “Vai beneficiar os mesmos de sempre, tirando energia do lado são” para sustentar “os direitos adquiridos e as corporações”.
Além de não ser conveniente, é impossível, acha Mailson. De acordo com o sócio da consultoria Tendências, o Estado brasileiro não teria condições de arcar com as renúncias fiscais e subsídios que caracterizam políticas industriais como as que são reivindicadas aqui. Só as despesas obrigatórias previstas na Constituição já geram um déficit de R$ 14 bilhões.
“Um dos erros graves no diagnóstico dos partidos, em sua análise superficial, é o de não perceber a ligação entre o desastre orçamentário e a dificuldade de fazer a reforma tributária”, afirma Mailson. Nesse sentido, o engessamento do Orçamento é uma causa indireta da falta de competitividade no Brasil. E aumentar os gastos ou reduzir a receita sem eliminar as despesas vinculadas da Constituição – que não foram objeto de debate nessas eleições – seria aprofundar em vez de atenuar o problema da competitividade, na visão do economista.
Sem resolver o problema fiscal brasileiro, acredita Mailson, a única forma de gerar crescimento econômico será por intermédio da inflação, que transfere renda dos mais pobres, com sua premência de consumir, para os mais ricos, os únicos com capacidade de poupar.
Mesmo economistas que acreditam em benefícios da política industrial, como Paulo Nogueira Batista Jr., professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP, nutrem receios quanto a sua viabilidade prática.
Segundo ele, a introdução de incentivos para a indústria é incompatível com os compromissos firmados pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) e com a moldura pretendida pelos EUA para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
O governo americano rejeita, por exemplo, privilégios para empresas nacionais nas licitações públicas, exigindo igualdade de condições nas concorrências. O Brasil e a Índia já tentaram remover esse obstáculo na reunião da OMC em Doha, no ano passado.
“Está-se desenhando um conflito entre o que foi debatido na campanha – que reflete as insatisfações dos empresários e da sociedade – e as negociações em curso, que visam congelar a atual situação em tratados internacionais”, diz Nogueira Batista. Na sua visão, os EUA estão procurando, com esses acordos, perpetuar um modelo econômico que “caiu em descrédito”.