O ministro defende a política industrial para o Brasil competir em melhores condições com os mais desenvolvidos
O mercado não resolve tudo, nem aqui nem nos países desenvolvidos, que não dispensam políticas industriais. Essas políticas servem para aumentar a competitividade, não para favorecer grupos ineficientes. Munido desses incentivos, e depois de “ensaios” em acordos menores, o Brasil vai se sentar para discutir a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Se o acordo não lhe interessar, simplesmente não assinará.
Essa é a visão do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, que concedeu entrevista ao Estado na quinta-feira, um dia depois de anunciar os primeiros resultados de estudo que encomendou sobre a competitividade dos diversos setores.
Estado – Como a discussão sobre política industrial evoluiu dentro do governo?
Sérgio Amaral – Não seria adequado acreditar que só o mercado resolve, com uma boa política macroeconômica, estabilidade da moeda, equilíbrio fiscal, abertura da economia, desregulamentação e privatização. Sempre há distorções no mercado. Os próprios países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, têm órgãos que fazem a transferência de tecnologia para o setor produtivo. Tanto a Europa como os EUA fazem política de substituição de importações ao estilo antigo. A Europa, com uma tarifa de 10% sobre importação de café solúvel; os EUA, de 60% sobre suco de laranja, e obrigando o nosso produtor a investir na Flórida. Dificilmente podemos dar a nosso produtor condição de competitividade no que diz respeito à taxa de juros, porque existe o risco país, que não pode ser comparado ao de um país desenvolvido. E temos um mercado de capitais insuficiente. Precisa do BNDES para suprir recursos a uma taxa mais baixa. O mercado é fundamental, mas não suficiente.
Estado – É possível, com as normas da OMC e de uma futura Alca, introduzir esses mecanismos de proteção?
Amaral – Depende do se queira fazer. Primeiro pressuposto: o mercado é fundamental, porque dá a sinalização para você produzir de uma forma eficiente. O segundo: não faz sentido pensarmos numa política de substituição de importações como a que fazíamos no passado, com proteção tarifária e subsídios. Uma política industrial hoje significa articular as políticas públicas em favor de certos setores para montar a sua competitividade. Ela se faz com base na competição e não para tirar a competição. Temos oito foros de competitividade, nos mais diferentes setores, e aí você articula as políticas, vê que a carga tributária está excessiva ou é distorcida; vê que as suas políticas de incentivos tecnológicos precisam se concentrar em favor de certos clusters (nichos); focaliza os programas de qualificação de mão-de-obra naquela região, naquele setor. O BNDES faz política de competitividade quando estrutura a atração de investimentos para componentes da indústria eletrônica. Será que se pode deixar de fazer? Não conheço nenhum país que não faça.
Estado – Até aqui, as multinacionais estiveram voltadas para o mercado interno. Como tem sido o diálogo para que elas mudem de estratégia e passem a exportar mais?
Amaral – De um lado, nós ouvimos o que elas precisam, e elas sabem que estou interessado em exportar. Elas querem abrir mercado e eu também. Fomos juntos para a Argentina, para o México, para a China. Estamos discutindo com os chineses o aumento das exportações de automóveis. Estamos estimulando uma complementação industrial entre o Brasil e o México no setor automobilístico, que faz com que esses dois países se transformem no quarto produtor mundial de automóveis e nas plataformas de exportação da indústria automobilística da América Latina. Estamos abrindo mercado no Grupo Andino (Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e Equador). A indústria automobilística investiu US$ 20 bilhões na última década. Ela tem uma capacidade de 3,2 milhões de automóveis (ao ano) e está produzindo 1,8 milhão. Ela quer exportar e nós também queremos que ela exporte. Verificamos que ela tem alta competitividade nos automóveis compactos, que representam 70% da produção, por causa do incentivo dado ao carro popular. Por que não estabelecer uma alíquota intermediária entre os 25% de IPI, os 10% do carro popular e os 16% do carro médio?
Estado – O Brasil está preparado para discutir uma nova política industrial? Quando empresários ou deputados chegam até o sr., com tantos interesses em jogo, como é a abordagem?
Amaral – Eu nunca tive reunião com associação de classe que tenha vindo me pedir mais tarifa para proteger o seu produto ou subsídios para o seu setor. Muitas vezes, o que eles vêm me dizer é que têm dificuldades com o livre comércio por causa da carga tributária que desestimula a agregação de valor. Sempre tenho dito que concordo, mas proponho: vamos negociar e trabalhar pela mudança do sistema tributário. Porque se você não negociar, perde duas vezes: não vai abrir mercado e a pressão pela reforma tributária será menor. E se você negociar um acordo de livre comércio, vai tornar a reforma tributária inelutável. Vai ganhar duas vezes.
Estado – Pelo diagnóstico que o sr. anunciou na quarta-feira, a abertura foi boa para um setor como o têxtil, que num primeiro momento parecia que ia desaparecer…
Amaral – Acho que a abertura da economia, se for feita de forma gradual, progressiva e sobretudo com reciprocidade, é muito importante. É por isso que estamos tão empenhados em concluir os acordos com o Grupo Andino, os centro-americanos, o México, China, Índia… Estamos preparando o caminho para as negociações maiores, com países que têm superioridade mais marcante, do ponto de vista do poder de sua economia, da competitividade da sua indústria. Vamos sentar à mesa de negociações – essa é minha opinião – e se tivermos condições de ter um bom acordo, ótimo, se não, não há por que assinar.