AMAs oferecem pronto atendimento e ajudam a desafogar hospitais, mas alguns pacientes têm de aguardar 1 ano
Faz um ano que Cleonice Sanches Garcia começou a sentir dores fortes nos rins. Foi até a Unidade Básica de Saúde (UBS) Teotônio Vilela, em Sapopemba, zona leste de São Paulo, e saiu com um pedido para um procedimento que elimina pedras nos rins. Levou-o à Santa Casa, um dos poucos lugares na cidade onde se pode fazê-lo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esperou todo o ano de 2006. Na quinta-feira, foi marcado para o dia 15.
Nesse meio tempo, Cleonice perdeu o emprego de doméstica, por causa de faltas constantes, motivadas pelas dores. ‘Semana sim, semana não, vou ao hospital’, conta Cleonice, de 39 anos, que agora trabalha de diarista – ocupação tão incerta quanto sua saúde. Na manhã de sexta-feira, ela foi à UBS marcar consulta com um generalista. Motivo: dores fortes no estômago, que ela atribui à ingestão pesada de remédios para a dor.
O marido dela, Antonio Donizetti, de 48 anos, também está desempregado. Ele trabalhava como motorista particular, quando teve o intestino perfurado. Recebeu tratamento, mas foi demitido por causa das faltas, apesar de ter um atestado médico. Antonio e Cleonice não querem mais ter filhos. Por causa de seus problemas renais – ela já teve uma pedra tirada dos rins em 2004 -, sua filha teve de ser retirada aos sete meses de gravidez. ‘Não agüentei até o fim. Não posso engravidar.’
O casal se decidiu por uma vasectomia, mas Antonio não consegue encontrar um lugar para fazê-la pelo SUS. Houve uma reunião na UBS Teotônio Vilela – cujo serviço é elogiado pelos usuários – para orientação sobre planejamento familiar, da qual poderia resultar um pedido para a vasectomia, mas, na época, Antonio ainda estava empregado, e não pôde comparecer.
Antonio e Cleonice não são os únicos que parecem andar em círculos. Elza Ferraz Mathias, 51 anos, tem colesterol alto. No dia 27 de setembro, ela passou com uma médica na UBS Dona Mariquinha Sciascia, na Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte. Saiu com um pedido de exame de sangue marcado para 17 de novembro, uma sexta-feira. Seu marido, o motorista Isaías Mathias, teve de faltar no serviço para levá-la, porque Elza sofre de crises convulsivas e não pode andar sozinha.
Quando chegaram à UBS, no dia marcado, foram informados que as coletas de sangue tinham mudado para as terças e quintas. Aquele pedido não valia mais, por causa da data errada, disseram-lhes. Era preciso nova consulta, para conseguir novo pedido. Conseguiram marcar consulta para 24 de fevereiro. Elza perdeu cinco meses.
RACIONALIDADE
Embora assombrosas, essas histórias não são novidade no SUS. O que há de novo é o seu inverso. Na manhã de quinta-feira, a diarista Ione Alves Tenório saiu contente da UBS Jardim São Luiz, no Campo Limpo, zona sul, depois de colher material para exames de urina, fezes e sangue de suas filhas Dione, de 12 anos, e Estefânia, de 9. As meninas não querem comer, e o pediatra quer saber se elas têm vermes e anemia. Esperaram 20 dias para passar pelo médico. Já na UBS Jardim São Luiz 2, disse ela, a espera é de 30 a 45 dias. O que difere uma da outra é que a primeira é também Assistência Médica Ambulatorial (AMA), novo tipo de posto de saúde para pronto atendimento de emergências leves, como gripe, diarréia ou pressão alta.
As AMAs injetam racionalidade na rede pública, ao garantir que os pacientes sejam vistos por um médico, sem as esperas das UBSs e sem recorrer aos prontos-socorros, que devem ser reservados a casos mais graves. Em média, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a espera nas AMAs é de uma hora, embora o plano fosse de meia hora. Instaladas a partir de março de 2005, ainda na gestão de José Serra, as AMAs já somam 41 unidades.
As AMAs ajudam a desafogar as UBSs, mas seu maior impacto se sente nos hospitais. As cenas de prontos-socorros lotados, de fileiras de macas nos corredores e de gente gripada ou com diarréia disputando a atenção dos médicos com pacientes baleados ou infartados estão desaparecendo da rede municipal.
As AMAs são um motivo. O outro é a introdução dos ‘centros de triagem’, que na verdade são mais que isso. Formados em geral por três clínicos gerais e três pediatras, eles atendem os pacientes em consultórios e tentam resolver seu problema na hora. No Hospital do Tatuapé, na zona leste, os profissionais da Universidade Federal de São Paulo, que fazem a triagem, em convênio pago pela Prefeitura, encaminham apenas entre 10% e 15% dos pacientes para o hospital. O restante é resolvido por eles. E, desses, metade encaminhada para uma UBS, para acompanhamento.
‘Tem sido uma solução muito boa’, diz o cirurgião plástico Flávio Inojosa, gerente médico do hospital, onde trabalha há 22 anos. ‘Como hospital de atenção terciária em trauma e emergência, ele não devia fazer atenção primária’, avalia, referindo-se a problemas leves, como dores de cabeça ou mal-estar.
No Hospital do Campo Limpo, a instalação da AMA Vila Prel, a 500 metros, fez cair o número de consultas de 30 mil para 25 mil por mês. Depois da triagem, apenas 34% dos pacientes da pediatria e 26% dos de clínica geral seguem para o pronto-socorro. Os restantes são dispensados. A espera média para a consulta é de 10 minutos na clínica e de 20, na pediatria. ‘Já melhorou bastante’, atesta o ginecologista Ricardo Gebrim, superintendente da área. ‘Precisa de mais AMAs.’