São Paulo, uma cidade ilegal

As leis básicas que regem a vida de uma cidade, como as de uso e ocupação de solo, de proteção das áreas de mananciais – que lhe garantem o fornecimento de água -, de autorização para a colocação de placas e cartazes e de respeito ao silêncio durante a noite têm sido ostensivamente ignoradas em São Paulo.


“A cidade foi caminhando para uma situação de completa ilegalidade”, diagnostica Gerson Luís Bittencourt, supervisor-geral de Uso e Ocupação do Solo da Secretaria de Implementação das Subprefeituras. “Não temos capacidade humana nem material para fazer a fiscalização do conjunto da cidade.”

Os números são perturbadores. A Prefeitura estima que, dos 4 milhões de peças publicitárias – incluindo todo tipo de placa e cartaz – na cidade, apenas 2% ou 3% estejam regulares.

Para averiguar tudo isso, há cerca de 300 fiscais. O número é considerado insuficiente, mas a Prefeitura seguirá uma outra linha para se capacitar a enfrentar esse desafio: a da tecnologia. Ela prepara uma licitação para a compra de equipamentos de geoprocessamento, com 1.200 computadores, para montar um sistema informatizado de coleta de dados.

Câmeras digitais serão instaladas em veículos e conectadas a um satélite e ao banco de dados da Prefeitura. Os fiscais sairão registrando imagens de todos os cartazes e placas. O satélite fornecerá a localização exata de cada um deles – com quadra e lote da rua – e os computadores verificarão os pedidos de autorização de publicidade. Estando irregular, o aparelho emite o auto da multa, com fotografia do cartaz ou placa.

O supervisor-geral calcula que o sistema comece a funcionar no máximo em julho e que, até o fim do ano que vem, os 10 mil quilômetros de vias públicas de São Paulo tenham sido rastreados. Se der certo, a operação pode causar uma revolução visual na cidade.

“A fiscalização está quase na Idade da Pedra. Ou a Prefeitura incorporava novas técnicas na sua ação, ou nunca conseguiríamos trazer a cidade de volta à legalidade”, analisa Bittencourt, doutorando em ciência ambiental na USP e há dois meses no cargo. “Durante oito anos, as pessoas se acostumaram a pagar propina e a contribuir para a concepção de uma cidade ilegal. Isso está muito sedimentado.”

Agora, diz ele, a secretaria começa a demonstrar que o Poder Público tem capacidade de impor o cumprimento da lei. Uma primeira experiência nesse sentido ocorreu na Rua Barão de Itapetininga, no Centro. Bittencourt conta que os fiscais advertiram os comerciantes para que retirassem as placas irregulares. “Não acreditaram.” Aplicaram a primeira multa, de R$ 607.

Continuaram ignorando. Veio a segunda multa, de R$ 1.214. Nada.

Entre os dias 23 a 25 de janeiro, os fiscais foram retirar as placas irregulares. Quando viram que era para valer, os comerciantes finalmente reagiram. “Tiramos 15 de um lado da rua e eles tiraram 18 do outro lado”, relata o supervisor-geral. A intenção, diz ele, não é multar, mas forçar a retirada das placas.

“Achamos até melhor quando a empresa decide retirar”, garante Izildinha Araújo, que chefiou a operação. “Não temos nem equipamento para retirar os mais altos. Estamos fazendo licitação para adquiri-lo.”

Ocupação ilegal – Entre 1991 e 1996, a população do município de São Paulo cresceu em 228 mil pessoas. Dessas, 166 mil (73%) foram morar nas áreas de mananciais das represas Billings e Guarapiranga.

Segundo Marussia Whately, do Instituto Socioambiental, só para a região metropolitana havia duas leis estaduais, uma de 1975 e outra de 1976, que regulavam o uso do solo na região, prevendo uma densidade populacional cada vez menor à medida que se aproximava das represas. “As duas leis se mostraram insuficientes.”

Em 1997, entrou em vigor a Lei de Proteção de Mananciais, que define linhas gerais e prevê que cada uma das 22 bacias hidrográficas do Estado de São Paulo terá sua lei específica, seu plano de recuperação ambiental e um comitê, com participação da sociedade. O projeto de lei para a Represa de Guarapiranga, que está mais avançado, deve ser enviado em breve à Assembléia Legislativa.

Segundo Marussia, com a lei geral de 1997, já se deveria conter a ocupação e degradação dos mananciais. “Mas a fiscalização não funciona”, diz ela. “Os dados demonstram que não existe controle nenhum.”


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