Análises políticas e pesquisas de opinião indicam que o governador deveria buscar o diálogo
BELO HORIZONTE – Itamar Franco está trilhando o caminho da derrota. A frase, dita pelo cientista político Carlos Ranulfo, da Universidade Federal de Minas Gerais, sintetiza o pensamento de analistas políticos e econômicos ouvidos pelo Estado em Belo Horizonte. O pessimismo também toma conta da opinião pública mineira que, se já não foi tomada exatamente de euforia pela decretação da moratória e pela conduta do governador, agora começa a se dar conta dos efeitos potencialmente perversos do confronto com o governo federal.
É preciso ter sangue-frio para ler os jornais mineiros nesses dias, sobretudo quem é funcionário público. Na quinta-feira, os jornais noticiavam que faltariam R$ 80 milhões para pagar os salários de janeiro dos funcionários que receberiam nos dias 18, 22 e 23. No dia seguinte, nova manchete: pré-venda de energia da estatal Cemig para a Alcoa Alumínios poderia render o ICMS necessário para complementar a folha de pagamentos. Entidades de médicos, professores e outros segmentos do funcionalismo que, por motivos ideológicos, num primeiro momento apoiaram a conduta do governador, agora começam a manifestar de preocupação a indignação.
De acordo com pesquisa publicada pelo jornal O Tempo no dia 24 de janeiro, 71% dos mineiros achavam que Itamar devia procurar negociar com o governo federal e apenas 21% que ele devia continuar na atitude de desafio; 42%, que com a moratória ia piorar a vida dos mineiros e 34%, que ia melhorar. Já segundo pesquisa do Instituto Vox Populi, feita nos dias 23 e 24 de janeiro, com uma amostra de Minas e outra do resto do País, 48% do eleitorado mineiro aprovava e 46% reprovava a moratória, enquanto 32% nos outros Estados aprovava e 58% reprovava.
A iniciativa do governador, portanto, no mínimo dividiu os mineiros, para surpresa do diretor do Vox Populi, Marcos Coimbra. “Para um governador recém-empossado, com vitória expressiva nas urnas, usando retórica de defesa dos interesses do Estado e recorrendo à simbologia de Tiradentes, era de se esperar aprovação muito maior”, disse Coimbra. “Nas últimas três semanas, com os primeiros sinais das conseqüências da moratória, a desaprovação deve ter aumentado.” O instituto fará nova pesquisa nesta semana.
As conseqüências da moratória são que o governo federal passou a reter repasses para Minas, de modo a cobrir as obrigações não cumpridas, e retirou seu aval a novos empréstimos externos para o Estado. Com isso, os industriais mineiros, que se capitalizam de financiamentos externos e de recursos provenientes do BNDES, passaram a pedir ao governador que retroceda da radicalização.
Há uma compreensão, em Minas, para com a atitude de Itamar de decretar a moratória. Muitos a consideram inevitável, dado o estado lastimável das contas públicas herdado pelo governador. Na pesquisa de O Tempo, 73% responderam que Itamar não é responsável pela crise financeira e apenas 21% que é responsável. O que se tem condenado mais veementemente, no Estado, é a intransigência com que o governador se tem portado não só diante do governo federal, mas dos próprios governadores de oposição.
Itamar impôs como condição para participar da reunião de todos os governadores com o presidente, marcada para o dia 26, que a retenção dos repasses seja suspensa e Fernando Henrique Cardoso aceite uma pauta de discussões que inclui a re-renegociação das dívidas dos Estados, a revisão da isenção de impostos e ressarcimentos por perdas passadas. Os outros seis governadores de oposição levaram um pito de Itamar porque aceitam conversar incondicionalmente com o presidente. Foi a partir daí que ganhou força o “plano B” do governo federal: isolar Itamar. O plano A era atraí-lo para a negociação.
Numa das expressões mais engraçadas usadas por Itamar, segundo fontes próximas ao governador, ele não quer ir à reunião na Granja do Torto porque teme cair em novas “arapucas”, numa referência à convenção do PMDB, em março do ano passado, quando seu projeto de se candidatar à Presidência foi dinamitado por aliados de Fernando Henrique no partido. Itamar sentiu-se humilhado e não perdoou Fernando Henrique, de quem se considera credor por havê-lo lançado à Presidência em 1994, na esteira do Plano Real.
Patologia – É aqui que as explicações para as atitudes de Itamar abandonam a esfera econômica para entrar no reino da psicologia. “Itamar desenvolveu uma patologia em relação a Fernando Henrique”, observa o cientista político Fábio Wanderley Reis, catedrático da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A mágoa é a sua principal motivação.” Citando as pesquisas de opinião, o analista constata que o recurso ao “nacionalismo estadual” tem os seus limites, já que o respaldo ao governador tem sido menor que o esperado.
Na política interna do Estado, as atitudes de Itamar não devem prejudicá-lo. Para Carlos Ranulfo, especialista em sistema partidário, a Assembléia Legislativa se manterá governista, seguindo sua tradição. Dos 77 deputados estaduais, 55 apoiam Itamar – além do PMDB e da esquerda, o PPB e o PTB. Só mesmo PSDB e PFL são de oposição.
Na bancada federal mineira, o quadro é diferente. A maioria dos 53 deputados federais já apóia o governo Fernando Henrique. O confronto entre Belo Horizonte e Brasília não deve alterar o quadro para os deputados federais mineiros, porque as barganhas por alocações orçamentárias para os respectivos redutos eleitorais são feitas no âmbito dos partidos, não dos governos estaduais, explica Ranulfo.
Já o vice-governador Newton Cardoso tem muito com que se preocupar e está fazendo o possível para tornar viável um diálogo entre Itamar e Fernando Henrique, segundo fontes do governo mineiro. Newton foi encarregado de tocar as obras do Estado – sobretudo estradas, pelas quais tem especial apreço. O grupo de prefeitos por ele liderado clama por verbas. Retaliações orçamentárias por parte do governo federal são consideradas improváveis, mas o bloqueio de financiamentos internos e externos – já em andamento – não combina com eleições municipais, marcadas para o ano que vem.