Prolixa, detalhista, beirando o ridículo ao fixar juros, Carta “cidadã” mostrou-se impossível de cumprir, com obrigações atribuídas à União, aos Estados e aos municípios incompatíveis com as receitas
BRASÍLIA — Há precisamente dez anos, o Congresso Nacional concluía o seu heróico “esforço concentrado” e promulgava uma nova Constituição, rica em simbolismos e adjetivos: era a Constituição “cidadã”, ponto de partida — ou até de chegada — da redemocratização do País, alicerce institucional de uma nova República que até então apenas se equilibrava precariamente sobre arranjos políticos circunstanciais.
Dez anos depois, a euforia cedeu todo o lugar à depressão. Na verdade, a alegria durou pouco. A Constituição já nasceu crivada de críticas, inclusive por parte de grande parcela de seus promulgadores. Não se inspirara na reverenciada Constituição americana, sucinta e minimalista, restrita a direitos e deveres fundamentais; ao contrário, disseram os especialistas, resultou prolixa, detalhista, beirando o ridículo, ao fixar juros e outras veleidades conjunturais. Mais que isso, a Constituição se revelaria impossível de cumprir, com obrigações atribuídas à União, aos Estados e aos municípios incompatíveis com as respectivas receitas.
Pelas muitas incongruências apontadas na Constituição, foram responsabilizadas as mais diversas facções representadas no Congresso: grupos de interesse de setores específicos da economia, corporações, cartórios, governadores, prefeitos, etc. A corrente mais ampla identificável foi a da esquerda, que, com presença substancial na Constituinte, argumentava que era necessário preservar todos os direitos adquiridos possíveis e o máximo de presença do Estado.
Hoje, no entanto, a Constituição é órfã até mesmo da esquerda. “A Constituição que está aí não foi a esquerda que fez”, defendia-se ontem o deputado José Genoíno (PT-SP). “A esquerda votou contra a Constituição em seu conjunto.”
Seja como for, o Congresso que se seguiu, eleito em 1989, não demonstrou especial empenho em mexer na Carta. Passou ao largo da Revisão Constitucional, prevista para 1993. Só o governo seguinte e suas lideranças no Congresso, eleitos em 1994, se engajariam em reformas constitucionais.
Há apenas três anos caíam os fundamentos do nacionalismo constitucional, como o monopólio sobre o petróleo, a navegação de cabotagem, etc. Seguiram-se as privatizações em setores antes considerados estratégicos, como a siderurgia e a energia; e de outros, mais afeitos à estratégia dos políticos, como os bancos estaduais.
Mas, no campo da reforma do Estado, somente a administrativa se completou, tornando mais flexíveis os contratos de gestão e a estabilidade do servidor.
Quatro anos depois da vitória da plataforma reformista no governo e no Congresso, o País se vê às voltas ainda — e mais do que nunca, diante da crise financeira mundial — com as reformas constitucionais. A da Previdência ainda está por três emendas. A tributária nem sequer chegou ao Congresso.
A perspectiva de nova explosão nos Orçamentos dos Estados e municípios, menos de dois anos depois da renegociação de suas dívidas, sugere que o ajuste fiscal poderá atingir a Constituição nas suas entranhas: o chamado pacto federativo. É assim que, apenas dez anos depois, fala-se não só em miniconstituinte, mas na necessidade de uma nova Constituição.