Novo Congresso pode divorciar PFL e PSDB

Partidos não se alinharam de forma significativa nos Estados e PMDB deve ampliar força no governo

 

BRASÍLIA — Nos últimos quatro anos, um dos mantras mais repetidos no Brasil, inclusive pelo governo, é o que diz que o Congresso emperra as reformas. A fragilidade do Brasil diante da crise econômica internacional põe em relevo o desequilíbrio fiscal e, com ele, a urgência dessas reformas.

Isso, no momento em que o País se prepara justamente para eleger novo Congresso. O que essa combinação explosiva prenuncia? E que Congresso se pode esperar a partir do ano que vem?

A realização das eleições, em si, já é um fato que altera a marcha do ajuste fiscal. Muitos analistas prevêem que o ajuste só se consumará depois do dia 4 de outubro, ou, eventualmente, do dia 25 de outubro. Em seguida, caberia ao atual Congresso dar o pontapé inicial. Medida provisória com aumento de impostos, por exemplo, teria de ser aprovada ainda este ano para vigorar no ano que vem. Já a reforma da Previdência está por três emendas apenas na Câmara, antes de voltar para nova votação no Senado, onde o governo tentará retomar sua proposta original modificada pela oposição.

Mas, se as eleições podem afetar a relação do governo com a crise, será que a crise pode afetar as eleições? O deputado Saulo Queiroz (PFL-MS), considerado em seu partido arguto nos cálculos eleitorais, acha que não.  

“O eleitor só reage quando o fato o atinge”, analisa o deputado. “E os efeitos concretos da crise só serão sentidos depois das eleições.”

O PFL deverá continuar com a maior bancada na Câmara e o PMDB, no Senado. De acordo com o Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, a Câmara será renovada em cerca de 40%. Entretanto, se houver grandes novidades, elas deverão ser protagonizadas pelo PMDB, em virtude da radical mudança na direção do partido, com a queda do deputado Paes de Andrade (CE) e a ascensão do senador Jáder Barbalho (PA) na presidência do partido.

O deputado pregava a independência do PMDB. O senador e o grupo que o sustenta, agora hegemônico, preferem o alinhamento com o governo. Ao mesmo tempo, o PFL e o PSDB devem sair das eleições ainda mais distantes um do outro.  “O PFL não se aliou em escala importante com o PSDB, com exceção de alguns poucos Estados”, observa Saulo Queiroz.

Em contrapartida, “o estreitamento entre o PMDB e o PFL é natural”, antecipou ao Estado o ministro da Justiça, Renan Calheiros, um dos artífices da aproximação do PMDB com o governo. O partido “aumentará a influência no governo”, segundo o ministro, mas com uma nova abordagem: não mais a quantidade de cargos, e sim a influência “programática”, ou seja, nas políticas do governo.

“O PMDB ajudará a aprovar a reforma política e apoiará o presidente Fernando Henrique Cardoso em tudo o que for necessário” para alcançar o equilíbrio fiscal, garantiu o ministro. Até no aumento de impostos? “Em tudo o que for necessário”, frisou. Uma fonte ligada ao senador Jáder Barbalho condiciona esse apoio: “Desde que a opinião pública seja suficientemente esclarecida.”

O deputado Saulo Queiroz adverte que se terá de levar em conta a possibilidade de “enorme queda de popularidade” dos aliados do governo diante das “duras medidas econômicas” que se prenunciam. Mesmo recém-eleitos, “os políticos são muito suscetíveis à impopularidade, porque são sempre muito cobrados e querem estar bem com a opinião pública”.  

Segundo o presidente nacional do PSDB, o senador Teotônio Vilela Filho (AL), as reformas “dependerão muito da vontade política do presidente”.

Mas dependerão também do grau de satisfação dos partidos na coligação, sobretudo do PMDB — que, na expressão de um dirigente, se torna agora “sócio-fundador” do governo, ao contrário de quatro anos atrás. “O presidente já deixou claro que a composição do governo dependerá das urnas”, festeja o dirigente.

No novo projeto de poder do PMDB, a ligação com o PFL parece ser fundamental. Essa ligação, como observou o ministro da Justiça, estará consumada no acordo para manter Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) na presidência do Senado e Michel Temer (PMDB-SP) na da Câmara. O PSDB, que na legislatura que se encerra lutou muito para presidir uma das Casas, ficará de fora, mais uma vez.  

O senador Teotônio Vilela Filho diz que terá de haver composição: “Não há três presidências.” O presidente do PSDB afirma que o mais importante são as reformas. “E estamos todos de acordo, quanto a elas.”

Mas será que o PMDB é suficientemente reformista? “Grande parte do PMDB apóia as reformas.” Refutando a tese de isolamento do PSDB, o vice-presidente do partido, Sérgio Machado, diz que Jáder Barbalho foi claro, ao tomar posse: “Cada um terá seu projeto de poder a partir de 2002.”

Enquanto isso, como ficará o bloco da oposição? A própria esquerda estima que sua posição não vai variar muito no próximo Congresso. Segundo um dirigente, os quatro partidos que formam a frente de esquerdas — PT, PDT, PSB e PC do B — somarão, no cenário pessimista, 130 deputados federais, e no otimista, 150. As estimativas dos institutos são ainda mais modestas.  

Se a oposição se manterá estável, a questão-chave para o governo e o futuro das reformas será o PMDB — na verdade, o grande elemento novo no cenário, conjugado com o aprofundamento da crise econômica. Como o partido reagirá às demandas e oportunidades?  O ministro Renan Calheiros garante que a expansão do PMDB não será em detrimento do PSDB. Mas o fato é que esse é um jogo de soma zero: os espaços no governo e no Congresso são fixos. Se um ganha, outro tem de perder.

Em síntese, o futuro das reformas pode muito bem depender da percepção do PMDB acerca da relação entre essas reformas e a sua conquista e manutenção de espaço vital. E de que haja, de fato, um PMDB — ou seja, que ele se mantenha coeso.


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