A morte súbita de Kim Jong-il agrava as incertezas no ambiente já volátil da Coreia do Norte. Desde que seu filho Kim Jong-un foi promovido a general de 4 estrelas, em setembro de 2010, abrindo caminho para sua confirmação como “O Grande Sucessor”, não houve sinais visíveis de divisões na cúpula das Forças Armadas. Mas nem tudo é visível em Pyongyang
Na hipótese de Jong-un ter de assegurar a confiança das Forças Armadas, precisará flexionar os músculos militares. Um míssil de curto alcance foi disparado na costa leste da península poucas horas depois do anúncio da morte do “Querido Líder”. É pouco provável – embora não impossível – que nesse período de consolidação do poder Jong-un opte por aventuras mais ousadas.
Em um segundo momento, se desejar ou precisar fazê-lo, pode seguir o modelo deixado por seu pai, que em março do ano passado afundou a corveta sul-coreano Cheonan na zona marítima disputada, matando 46 marinheiros, e torpedeou a Ilha de Yeonpyong. Numa das crises mais graves em seis décadas de conflito, a Coreia do Sul suspendeu a ajuda e o comércio.
No curto prazo, o mais provável é que Jong-un e a cúpula das Forças Armadas se dediquem à reacomodação interna do poder. Em 1994, quando Kim Il-sung morreu, previu-se que o regime desmoronaria. A União Soviética, até então importante sustentáculo econômico do país, havia ruído, e seu filho e sucessor Jong-il era tido como mentalmente instável e desprovido de prestígio e carisma. Jong-il firmou-se no poder.
Não há informações claras sobre a situação econômica. Mas houve sinais de que a economia cresceu recentemente, até 3% ao ano. Um indicador é o aumento da emissão de gás carbono, que foi de 14% em 2010. Para a celebração do centenário do nascimento de seu pai, Kim Il-sung, o fundador da república comunista (1946), Kim Jong-il programava o anúncio de resultados indicando que o país se tornara “forte e próspero”.
Segundo o Índice da Fome Global, um terço dos norte-coreanos é desnutrido. Ao lado da ameaça militar representada pelos mísseis de médio e longo alcance, pelas ogivas nucleares e pelo contingente militar, outra pressão exercida pelo país contra os seus vizinhos, sobretudo a China e a Coreia do Sul, é um eventual êxodo em massa de sua população faminta.
Em 2009 estimou-se que a Coreia do Norte contava com duas ogivas nucleares. Hoje especula-se que esse número possa ter subido para de cinco a oito.
Em troca da interrupção do enriquecimento de urânio, o regime começou a aceitar doações de alimentos dos Estados Unidos em meados de 2008. Mas cortou a entrada da ajuda em março de 2009, retomando o programa nuclear. Uma nova rodada de negociações com o Grupo das Seis Nações (as duas Coreias, EUA, China, Rússia e Japão) estava prevista para breve. Mas é provável que seja adiada.
Estima-se que o orçamento militar represente até 40% do Produto Interno Bruto da Coreia do Norte, que soma em torno de US$ 28 bilhões. Um dos pilares da filosofia do “juche”, ou auto-suficiência, formulada por Kim Il-sung, é a doutrina “primeiro o militar”. Ainda que deseje, Jong-un não terá forças para se desvincular do establishment militar, sua base de sustentação no poder.
Pelas primeiras manifestações, a China se mantém como o aliado cujo apoio é vital para a continuidade do regime. A Coreia do Norte representa uma das principais cartas do regime chinês no Leste Asiático.
COMÉRCIO
O Brasil é o segundo maior importador de produtos da Coréia do Norte, depois da China, o grande aliado do país, embora a distância seja grande. A China importa 50,3% dos produtos norte-coreanos; o Brasil, 5,7%, seguido de perto pelo Líbano, com 4,7%, pela República Dominicana, com 4,2%, e pela Holanda, 4,1%.
Dos US$ 121,4 milhões em produtos norte-coreanos importados pelo Brasil em 2010, US$ 29 milhões foram em óleo diesel. Outros US$ 21 milhões foram placas de memória montadas e US$ 3 milhões, circuitos integrados; US$ 10 milhões em lâminas de ferro/aço e US$ 6 milhões em borracha.
A balança é bastante favorável para a Coréia do Norte. O Brasil exportou para o país US$ 21 milhões em 2010. Quase todo esse montante – US$ 17 milhões – foi em minério de ferro. Outros US$ 3,7 milhões foram em fumo. O Brasil é muito mais importante, comercialmente, para a Coreia do Norte, do que o inverso. As vendas do Brasil para a Coreia do Norte representam apenas 0,01% do total de exportações do Brasil: US$ 202 bilhões.
Na pauta geral do comércio norte-coreano, os principais produtos de exportação são minérios, metalúrgicos, armamentos, têxteis, agrícolas e pescados. Os principais produtos de importação são petróleo, carvão, máquinas e equipamentos, têxteis e grãos. Seus principais fornecedores são a China (40,6%), a Argélia (34,2%) e a Índia (8,9%).
A Coreia do Norte vendeu clandestinamente centrífugas e tecnologia nucleares para o Paquistão, a Síria e o Irã, assim como mísseis de curto e médio alcance.
DADOS
PIB: US$ 28 bilhões
População: 24,45 milhões
Incidentes entre as duas Coreias (1958-2010): 150
Efetivo das Forças Armadas: 1,2 milhão
Mísseis: 60
Ogivas nucleares: de 2 a 8
Submarinos: 70
Navios: 3
LINHA DO TEMPO
1945 – O Japão se retira da Península Coreana. A União Soviética ocupa o norte; os Estados Unidos, o sul
1946 – Apoiado pelos soviéticos, Kim Il-sung assume o poder no norte
1948 – Depois de eleições contestadas, o Partido dos Trabalhadores Coreanos se declara governo de toda a península
1950 – O Sul declara independência do Norte e é invadido, dando início a uma guerra de 3 anos, que deixa 2 milhões de mortos e termina em armistício
1980 – Kim Jong-il, filho do ditador, é lançado à sucessão
1985 – A Coreia do Norte assina o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)
1992 – A Coreia do Norte aceita inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica, mas bloqueia acesso a instalações suspeitas de produzir armas nucleares
1994 – Kim Il-sung morre e Jong-il assume. Aceita congelar o programa nuclear em troca combustível e dois reatores de energia atômica
1996 – Enchentes causam fome generalizada
1998 – Foguete norte-coreano atravessa espaço aéreo japonês
2000 – Reunião histórica entre Kim Jong-il e o presidente sul-coreano, Kim Dae-jung
2001 – A Coreia do Norte enfrenta a pior seca de sua história na primavera
2002
Janeiro O presidente dos EUA, George W. Bush, inclui a Coreia do Norte em um “eixo do mal”, junto com o Iraque e o Irã
Setembro – O primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, visita a Coreia do Norte, que pede desculpas pelo sequestro e recrutamento forçado de espiões japoneses nos anos 70 e 80
Outubro – A Coreia do Norte admite que tem um programa secreto de armas nucleares. Os EUA suspendem o fornecimento de petróleo
Dezembro – A Coreia do Norte reativa o reator de Yongbyon e expulsa os inspetores internacionais
2003
Janeiro – A Coreia do Norte se retira do TNP
Agosto – Começam negociações do Grupo das Seis Nações (as duas Coreias, EUA, China, Rússia e Japão)
Outubro – Pyongyang anuncia ter plutônio suficiente para produzir até seis bombas nucleares
2006
Julho – A Coreia do Norte testa mísseis de médio e longo alcances
Outubro – Pyongyang anuncia primeiro teste de arma nuclear
2007
Fevereiro – A Coreia do Norte concorda em fechar o reator nuclear Yongbyon em troca de combustível
Maio – Trens de passageiros cruzam a fronteira Norte-Sul pela primeira vez em 56 anos
2008 – Kim Jong-il sofre derrame
2009 – Coreia do Norte retira-se da negociação no Grupo dos Seis, anuncia teste nuclear subterrâneo e abandona a trégua de 1953
2010
Janeiro – Pyongyang propõe fim das hostilidades e península livre de armas nucleares
Fevereiro – A Coreia do Norte declara quatro áreas perto da fronteira zonas de tiro
Março – Norte-coreanos afundam a corveta Cheonan
Julho – Os EUA retaliam com novas sanções. Pyongyang ameaça com “resposta nuclear”
Setembro – Kim Jong-un é promovido e desponta como sucessor
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