No dia 27 de novembro, no calor do “segundo tempo” da revolução egípcia, quando milhares de manifestantes ocupavam a Praça Tahrir e arredores para exigir a saída dos militares do poder, um grupo de jovens chamou a atenção. Era a torcida do Al-Ahly, o maior time do Egito, que veio participar do movimento. Eles não vestiam o uniforme do time, mas cantavam e pulavam abraçados, exatamente como fazem nos estádios. Comecei a filmá-los. Assim que perceberam, pediram: “Nada de imagens”, aparentemente temendo represálias. Mais tarde, os torcedores do Al-Ahly ficaram de frente para os seus arquirrivais do Zamalek, também do Cairo, e celebraram juntos, numa cena que comoveu os manifestantes na Praça Tahrir.
Na noite de quarta-feira, os torcedores do Al-Ahly tiveram seu castigo no Estádio de Port Said. Depois de verem seu time derrotado por 3 a 1 pelo inexpressivo time da casa, Al-Masry, foram atacados por homens com facas e armas de fogo, que a polícia deixou entrar no estádio, assistindo impassível ao massacre. A mesma polícia que foi o primeiro alvo da revolução, lançada em 25 de janeiro de 2011, Dia da Polícia, em protesto contra a morte de Khaled Said, de 28 anos, abordado por policiais em uma lan house de Alexandria, em junho de 2010.
No “segundo tempo” da revolução, quando o Exército se converteu de herói em vilão, policiais e militares passaram a partilhar os mesmos interesses. Pressionado, o marechal Mohamed Tantawi, chefe da junta militar, anunciou finalmente a eleição presidencial para junho deste ano, e no dia 25, primeiro aniversário da revolução, afirmou que as Forças Armadas deixarão o poder e “voltarão a proteger a terra, o céu e o ar” do Egito.
Na política árabe, não cabem sutilezas. Quando um regime quer dar um recado, o faz de forma explícita. As luzes apagadas do estádio mais clarearam do que esconderam o que estava se passando ali: o establishment de segurança egípcio não quer abrir mão do poder, que afinal está em suas mãos há 60 anos.
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