Depois de anos de retórica e tergiversação, as negociações entre o Irã e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha (P5+1) estão pela primeira vez tocando em questões concretas. O P5+1 ofereceu ao Irã o alívio das sanções que estão impactando a sua economia e a vida dos iranianos, em troca da suspensão do programa de enriquecimento de urânio a 20%. As declarações do presidente americano Barack Obama e do líder espiritual iraniano Ali Khamenei precisam ser entendidas nesse contexto.
Depois de reunir-se na quarta-feira com o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu em Jerusalém, Obama ofereceu a Israel uma espécie de salvo-conduto público para um ataque preventivo contra o Irã. O presidente americano disse que não espera que Israel submeta aos Estados Unidos – que fornecem ao país ajuda militar anual de US$ 3 bilhões – eventual decisão de atacar o Irã. Ele reafirmou ainda que os Estados Unidos farão o que for necessário para impedir o Irã de obter armas nucleares. Por outro lado, Obama disse que o Irã deveria aproveitar a oportunidade de um diálogo, embora não seja merecedor de confiança.
A reação de Khamenei também foi composta de uma mensagem de ameaça e outra de abertura, seguida de ressalva. O líder espiritual afirmou que o Irã arrasaria Tel-Aviv e o Porto de Haifa –densamente povoados por judeus – se suas instalações nucleares fossem atacadas por Israel. Mas assegurou que o Irã está disposto a negociar, embora, para os americanos, negociar signifique concordar com eles.
A questão óbvia é a de saber em qual das mensagens inter-excludentes repousa o desejo genuíno de Obama e de Khamenei. Em primeiro lugar, é preciso levar em conta os contextos de cada declaração. Obama realizava sua primeira visita a Israel desde que assumiu a presidência, em 2009, e encontrava-se com um primeiro-ministro israelense fortalecido pela recente reeleição, e que não escondeu no ano passado sua predileção pelo candidato republicano, Mitt Romney, de quem é amigo há décadas.
Khamenei, por sua vez, discursava na importante cidade de Meshhad para uma multidão de fieis na celebração do Nauruz, o ano novo persa. A penúria causada no último ano pela nova rodada de sanções econômicas – que pela primeira vez trouxeram inflação e desabastecimento ao Irã – está sendo particularmente sentida nessa festa, em que tradicionalmente os iranianos colocam iguarias sobre a mesa, vestem roupas novas e trocam presentes.
Além disso, se Obama e Netanyahu já tiveram suas vitórias eleitorais, os conservadores liderados por Khamenei enfrentarão eleições presidenciais em junho. A oposição foi neutralizada no Irã, com seus principais líderes sob prisão domiciliar, e a disputa se dá dentro do campo conservador, entre Khamenei e o presidente Mahmoud Ahmadinejad, que está no segundo mandato e não pode se candidatar, mas deseja manter-se no poder por trás de seu ex-chefe de gabinete Esfandiar Rahim Mashaie.
Khamenei ainda não definiu quem será seu candidato, dentre três nomes prováveis: seu assessor para assuntos internacionais, Ali Akbar Velayati, o prefeito de Teerã, Mohammad Baqer Qalibaf, e o deputado Gholam Ali Haddad Adel. O discurso do líder espiritual a uma multidão em Meshhad é um fato incomum, assim como a retórica belicista – típica de Ahmadinejad, não de Khamenei, que no passado deu broncas no presidente por causa da hostilidade que sua língua ferina atraiu ao programa nuclear iraniano. Ambos se explicam por essa renhida disputa pelo poder. A questão nuclear é a única que ainda tem o poder – embora menor do que alguns anos atrás – de unir os iranianos.
As sanções estão exercendo a pressão desejada pelas potências ocidentais sobre o Irã. Se isso levará o país à radicalização ou ao diálogo, dependerá da capacidade dos Estados Unidos e da Rússia, principal aliada do Irã, de calibrar essa pressão com uma possibilidade real de saída negociada. Mas dependerá também do tumultuado e complexo jogo político interno do Irã.
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