Uns chamam estudantes de “delinquentes”, outros confirmam relação entre prefeito e narcotráfico
IGUALA, México – O Exército, a Polícia Federal e a Polícia Estadual patrulham as ruas. A Polícia Municipal, acusada de cumplicidade no massacre dos estudantes, deixou a cidade. Seu comandante, Felipe Flores, acusado de entregar os estudantes ao cartel de narcotraficantes Guerreiros Unidos, está foragido. O comércio da cidade de 150 mil habitantes continua vibrante, como sempre. Mas os bares fecham por volta de 21 horas. “Antes, ficávamos bebendo com os amigos até 4h, 5h da manhã”, recorda um nostálgico morador. “Agora, às 8 da noite estamos nas nossas casas. Não sabemos o que pode acontecer.”
Funcionários municipais vagam pelo Zócalo, a praça principal. Apenas os serviços essenciais estão funcionando, em repartições improvisadas. O prédio da prefeitura foi queimado por manifestantes enfurecidos – como os restos de corpos encontrados no lixão, que o Ministério Público acredita ser dos 43 estudantes desaparecidos. As opiniões na cidade se dividem a respeito do massacre da noite de 26 de setembro, e dos envolvidos. Em comum, ninguém quer ser fotografado ou ter seu nome publicado.
“Eles não eram estudantes, eram delinquentes, que viviam saqueando lojas e bloqueando as estradas, exigindo dinheiro, batendo nos carros”, opina um funcionário da prefeitura. “Estamos muito tristes. Destruíram nossa prefeitura. Tudo estava bem. Era um povoado tranquilo. Não havia desmandos. Nunca havia acontecido isso na história de Iguala.”
De fato, com essas proporções e características, esse é um caso único, embora massacres, ou “desaparecimentos”, sejam comuns no México, profundamente entranhado pela atuação de gangues de narcotraficantes.
Mas outros moradores da cidade contam que havia muitos problemas. Donos de bancas no mercado municipal, por exemplo, seriam obrigados a contribuir com uma caixinha para a campanha da ex-primeira-dama María de los Ángeles Pineda Villa à prefeitura, nas eleições municipais e estaduais do ano que vem, contaram comerciantes. “Os policiais municipais eram como o prefeito, prepotentes e grosseiros”, queixa-se a dona de uma loja.
“Todos sabiam do que se passava por aqui”, atesta outro morador, referindo-se às supostas relações entre o narcotráfico e o ex-prefeito José Luis Abarca, preso com a sua mulher no dia 4. “Com o massacre dos estudantes foi que saiu à luz para o mundo.” O prefeito é dono de uma galeria comercial, um “centro joalheiro”, onde funcionam joalherias, pizzarias e farmácias. Sua irmã é a dona oficial da Universidade Benemérito das Américas. Os negócios prosperaram desde que Abarca tomou posse, em 2012, em uma velocidade que chamou a atenção de muitos moradores.
Os parentes dos 43 estudantes “desaparecidos” colocam em dúvida a sua morte, porque seus corpos, provavelmente incinerados no lixão de Iguala, não foram identificados ainda. A Procuradoria-Geral da República enviou na quarta-feira o pouco que restou para a Universidade de Innsbruck, na Áustria, para identificação de DNA.
Mas moradores da Rua Álvarez contam que ouviram os intensos disparos entre as 21 horas e as 23 horas do dia 26 de setembro. Na manhã seguinte, a rua estava bloqueada pela polícia, e ainda havia um ônibus, cravejado de balas. Os moradores dizem que os estudantes eram cerca de 100, estavam em três ônibus e saíram correndo, pulando muros, batendo nas portas das casas, pedindo para entrar, enquanto se ouviam os tiros. “Caminhonetes da polícia iam vazias e voltavam cheias de corpos”, observou um morador, o que indica que a polícia teria tido uma participação ativa até o final do massacre.
Em uma rua lateral próxima ao local, ainda funciona um depósito de bebidas e lava-jato que, segundo moradores, pertence ao braço armado do cartel, conhecido como Los Peques. “Foi por isso que eles chegaram tão rápido aqui.”
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