Palestinos descrevem ataques a áreas civis

Israel nega, mas testemunhas confirmam bombardeios de mercado e escola

GAZA – Os bombardeios de áreas nitidamente civis, como mercados e escolas da ONU, têm sido seguidos de declarações, por parte de porta-vozes israelenses, colocando em dúvida a autoria dos disparos. No mercado de Shejayeah, onde 17 pessoas morreram e 160 ficaram feridas na quarta-feira, Mahmud Kassab, dono de uma barraca no local, não tem dúvidas do que aconteceu.

Nas ruas desertas do mercado ontem à tarde, Kassab, que também mora em Shejayeah, era a única pessoa caminhando, apressadamente. Ele disse ao Estado que estava no mercado quando sentiu uma “enorme explosão”. Olhou para o céu, e viu um avião israelense, que disparou sete mísseis. “As pessoas saíram correndo, estavam fugindo do lugar, e mesmo assim veio outro avião e disparou mais sete mísseis”, afirmou Kassab, de 24 anos. “No total, foram 14 mísseis.”

À pergunta sobre quem ele responsabiliza por esse ataque, uma vez que a ofensiva israelense foi desencadeada pela escalada de foguetes do Hamas, Kassab também não hesita: “Israel, porque não existe ninguém do Hamas aqui. Por que bombardear esta área? Aqui só existem civis.”

Na Escola Fundamental de Daraj, uma das instalações da Agência das Nações Unidas para Alívio e Trabalho (Unrwa, na sigla em inglês), que abrigam 200 mil refugiados, o repórter é cercado por homens e crianças que querem relatar os bombardeios que presenciaram – e perguntar por que Israel está atacando civis.

As autoridades israelenses responsabilizam o Hamas por instalar suas bases e baterias de foguetes no meio da população civil. De acordo com os israelenses, o Hamas guarda foguetes nas casas de famílias, que aceitam movidas pelo medo e também por um pagamento em dinheiro. Na quarta-feira, três soldados israelenses morreram na entrada de um túnel que ficava dentro de uma casa, segundo as autoridades de Israel. Eles pisaram em fios que estavam atados a explosivos, na forma de armadilha.

Ali Elewa, de 56 anos, conta que seu quarteirão, no bairro de Shaaf, próximo ao mercado, foi destruído, há duas semanas. Ele veio para a escola com a mulher e 7 de seus 11 filhos. “Deixei os outros 4 em outra escola, porque, se bombardearem uma delas, resta parte da família para contar a história”, disse, sorrindo amargamente.

Elewa afirma que trabalhou em fazendas israelenses durante 35 anos. Agora, cuida de seu pequeno terreno em Gaza, onde plantou, há 15 anos, um pé de damasco. “Este seria o primeiro ano em que eu colheria a fruta, mas tive de sair da minha casa sem prová-la.”

Conhecida como “formigueiro humano”, por causa de sua densidade populacional – 1,8 milhão de pessoas ocupando 360 km2 –, as ruas e estradas da Faixa de Gaza estão vazias. A maioria dos moradores está em casa, ou nas escolas e edificações da ONU. Apenas no mercado do centro há maior movimentação, de pessoas que vêm se abastecer.

Depois da destruição, há três dias, da usina a diesel de geração de eletricidade – outro alvo civil atingido sem que tenha ficado claro por quem -, falta água – distribuída por bombas elétricas. Perto da escola de Daraj, cerca de dez pessoas se acotovelavam para encher recipientes de plásticos com a água que jorrava de um tonel. Segundo comerciantes e moradores, alguém – não se sabe quem – tem enchido esse tonel todos os dias.

Apenas famílias que podem arcar com um gerador que custa entre US$ 300 e US$ 400 e mais US$ 3 de óleo diesel por cada hora de consumo têm energia elétrica por algumas horas em casa. A escuridão da noite de Gaza intensifica o clarão dos foguetes e mísseis trocados metodicamente pelo Hamas e por Israel.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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