Viagem de Yoani é um fato histórico

Nem a blogueira entende por que conseguiu autorização para sair de Cuba

A blogueira cubana Yoani Sánchez fez relatos reveladores em debate do qual participou no auditório do Estadão. Mas nada pode ser mais revelador do que sua simples saída de Cuba. Há décadas, a ditadura cubana tem tido um comportamento espasmódico. Ciclos de aberturas políticas e econômicas acabam em novos fechamentos, da forma tão abrupta e aparentemente ilógica como começaram. Sopros de renovação dissipam-se e desaparecem junto com as lideranças jovens que os trouxeram e acabaram expurgadas.

Yoani pediu dezenas de vezes permissão para deixar Cuba. Enquanto seus colegas dissidentes desistiam ali pela segunda ou terceira vez, ela perseverou, registrando em um dossiê cada um de seus pedidos. Estudou as leis, recorreu ao Ministério Público, esgotou todos os recursos. Sua persistência é certamente parte da explicação de seu êxito. Mas não explica por que o governo finalmente autorizou sua saída, poucos meses depois de have-la negado no calor da ida da presidente Dilma Rousseff a Havana, no ano passado, ao custo de um constrangimento.

Nem Yoani tem a explicação. “É difícil entender a cabeça de um repressor quando nunca se foi um”, diz ela. Desde que criou o seu blog Geração Y, em 2007, Yoani tem aprendido – às vezes amargamente, como nas duas em que foi detida – a lidar com os humores do regime. Ela deduz que o custo de impedir sua saída tornou-se maior do que o de deixar que ela apresente seu testemunho na sua “volta ao mundo em 80 dias” iniciada no Brasil. Mas essa é apenas uma explicação posterior ao fato. Não a real interpretação da leitura que o regime faz da realidade.

Mas o périplo de Yoani é um fato histórico em si mesmo. Nunca um cubano com a sua capacidade de articulação intelectual, seu magnetismo de moça recatada e simples, seu autocontrole das emoções – forjado na necessidade de sobrevivência sob o totalitarismo -, e acima de tudo sua destreza no uso da internet pôde levar o seu testemunho ao mundo.

Mais do que as consequências diretas, é importante apreender o precedente histórico que isso abre. Dizem que não há incêndio sem faísca. Yoani é uma faísca. Na sua intuição – certamente contaminada pelo seu desejo –, o fim da ditadura está próximo. Seu maior receio não é o de que ela demore a acabar, mas que Cuba se converta em uma Rússia, onde o controle estatal da economia deu lugar a oligopólios controlados pelas mesmas pessoas de antes, e onde a falta de alternância de poder permanece intacta. “Daria na mesma”, diz ela.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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