Polícia não consegue entrar na Praça Tahrir

Manifestantes dominam a praça; confrontos ocorrem nas ruas ao redor

CAIRO –

Cenário de batalhas campais no fim de semana, a Praça Tahrir estava sob o domínio absoluto dos manifestantes ontem. Os confrontos se concentravam nas ruas que ligam a praça ao prédio do Ministério do Interior, a cerca de 1 km dali. O Estado presenciou as sucessivas tentativas da polícia de dispersar os manifestantes nessa área, jogando bombas de gás lacrimogêneo, enquanto os jovens atiravam pedras nos policiais. Num certo momento, eles forçaram a recuar um caminhão do Corpo de Bombeiros, que tentava avançar na rua contra a multidão. 

Nesse segundo tempo da revolução egípcia, o espectro dos manifestantes é tão vasto quanto em janeiro e fevereiro, quando da derrubada de Hosni Mubarak: vai de jovens universitários liberais e seculares até os salafistas, radicais islâmicos facilmente identificáveis pela suas barbas longas e túnicas. Apesar de pertencerem a correntes tão diferentes, os manifestantes se mostram unidos na rejeição aos militares. 

“Estou aqui para exigir a transferência do poder do conselho militar para um conselho civil depois das eleições parlamentares”, disse Mohamed Abdel-Aal, um comerciante de 40 anos pertencente ao Grupo Islâmico, considerado terrorista por Mubarak e pelo Ocidente, e que luta há décadas para substituir a ditadura militar por um regime islâmico.

“Quero que o conselho militar deixe o poder”, declarou o jornalista Nabil Kadry, editor do jornal Al-Nur, pertencente ao partido salafista de mesmo nome. À pergunta sobre se deseja a criação de um Estado islâmico no Egito, cuja minoria cristã representa 10% da população, Kadry respondeu: “O Egito já é um Estado islâmico, com uma minoria cristã que vive aqui há 1.400 anos, quando o islamismo chegou ao país. Somos uma só nação.”  

De véu e vestido de mangas longas, Aiman Al-Mahdi, de 60 anos, caminhava pela praça com a filha Dina, de 25. “Estamos aqui para pedir a transferência do poder dos militares para um conselho civil”, disseram elas. “Não queremos o marechal (Mohamed Hussein) Tantawi no governo, mas alguém que sinta nossos problemas. Achamos que o regime de Mubarak continua, que nada mudou.” À pergunta sobre se não temem o cancelamento das eleições, elas responderam: “Não achamos que serão canceladas.” Mas admitiram que não sabem em quem vão votar. “Não gostamos de nenhum dos partidos.”

“As eleições são uma ferramenta para os civis restaurarem o regime. Não são um fim em si mesmas, são um meio.”, argumentou Mohamed Tareq, de 32 anos, que trabalha numa empresa estatal e apoia Mohamed ElBaradei, ex-secretário-geral da Agência Internacional de Energia Atômica e aspirante à presidência. “Restaurar o regime civil é mais importante do que as eleições parlamentares.”

“Estou aqui porque a revolução não está concluída, e para apoiar as pessoas que morreram nos últimos dias”, afirmou Abdel Monem Emam, de 24 anos, um dos fundadores do partido secular Al-Adel (Justiça), e funcionário de uma empresa de petróleo. “A questão agora não são as eleições. Primeiro precisamos lançar as bases do país, depois podemos falar de eleição. A questão agora é a dignidade dos cidadãos e as regras sob as quais governaremos o país.” 

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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