Definição do ministro da Justiça envolve conceitos como terrorismo e soberania
O ministro Márcio Thomaz Bastos tomará esta semana uma decisão de vastas implicações políticas. Envolve conceitos sensíveis porém subjetivos, como terrorismo, segurança nacional, soberania e aquele que dá nome à sua pasta: justiça.
Depois de esgotar os recursos na Justiça, o pedido de refúgio de Assaad Ahmad Barakat, apontado pela inteligência antiterrorista do Paraguai como líder do grupo xiita Hezbollah na Tríplice Fronteira, chegou a seu estágio final: a decisão política do ministro. Barakat, libanês naturalizado paraguaio, com mulher e três filhos brasileiros, e residente em Foz do Iguaçu, é alvo de pedido de extradição do Paraguai.
Bastos terá de conceder ou negar o refúgio, selando o destino de Barakat, cujos advogados e família alegam que sua vida corre perigo no Paraguai. “É uma decisão delicada”, reconheceu o ministro, na sexta-feira. Ele disse que ainda não estudou o caso, e não consultou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o tema. Apenas lhe comunicará sua decisão.
Na visita que fez na semana passada ao Brasil, o primeiro-ministro do Líbano, Rafik Hariri, intercedeu em favor de Barakat. Ele explicou a Lula que o Hezbollah não é uma organização terrorista, mas um partido político, com oito cadeiras no Parlamento, e uma entidade religiosa e assistencialista.
“Para nós, o Hezbollah é um partido político”, confirma Bastos. “Temos muito cuidado com a soberania interna dos países, que não invadimos, a não ser quando haja efeitos aqui no Brasil.”
Não é a opinião do Departamento de Estado americano, que, no dia 2 de novembro de 2001, recolocou o Hezbollah na lista das organizações terroristas, da qual havia excluído. Bastos garante que não sofreu pressão americana: a embaixadora Donna Hrinak lhe fez uma visita, mas não tocou no assunto.
Na visão do governo americano, Barakat é o caso mais concreto do alardeado envolvimento com terrorismo de membros da comunidade árabe da fronteira Brasil-Paraguai-Argentina. Esse juízo, confirmado ao Estado por um funcionário da embaixada americana em Assunção que acompanha o assunto, depõe menos contra Barakat do que contra a consistência das versões sobre “células terroristas adormecidas” na região.
Reunindo-se o que de melhor a inteligência paraguaia, argentina e brasileira pôde colher sobre o tema, somado a seis semanas de reportagem, chega-se a manifestações de forte simpatia pelo Hezbollah, a estreitos laços de parentesco e amizade com seus integrantes, a evidências de remessas de dinheiro para entidades por ele geridas e de atividades de doutrinamento; não a provas da existência de “células adormecidas”.
“O terrorismo tem passado ao largo do Brasil”, assegurou o general Jorge Armando Felix, do Gabinete de Segurança Institucional, em depoimento à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, no dia 4. “A Polícia Federal já detectou na Tríplice Fronteira todo tipo de crime, menos terrorismo”, confirma o ministro da Justiça.
“Para nós, não existe nenhuma manifestação de terrorismo em Ciudad del Este”, concorda o ministro do Interior do Paraguai, Osvaldo Rubén Benítez. O governo americano se declara satisfeito com o nível de cooperação com o Brasil, Paraguai e Argentina, nessa área.
Em contrapartida, há denúncias de que a rotulagem “terrorista” esteja servindo como expediente de extorsão e chantagem no envenenado ambiente das disputas comerciais que fervilham em Ciudad del Este, onde todos têm contas a prestar com a Justiça, seja por evasão de impostos ou por falsificação. Barakat tem em comum com outros comerciantes presos por terrorismo o fato de ter contrariado interesses de um bem-relacionado distribuidor de produtos eletrônicos na fronteira.
Barakat assume ter arrecadado dinheiro para entidades de assistência aos familiares de militantes mortos em ações do Hezbollah. E para a construção da mesquita de seu irmão, o xeque Akram Assad Barakat, autoridade do Hezbollah, em Beirute.
Os Estados Unidos incluem esse tipo de atividade no rol do terrorismo. Resolução do Conselho de Segurança da ONU, aprovada em 28 de setembro de 2001, obriga os países membros a “proibir seus cidadãos ou quaisquer pessoas e entidades dentro de seus territórios a levantar fundos para pessoas que cometem, facilitam ou participam de atos terroristas e para entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por essas pessoas”.
A questão é estipular a dimensão exata das atividades de Barakat e de outros imigrantes na Tríplice Fronteira.