Jean Ziegler diz que idéia sugerida por Lula ‘não é só possível, é necessária’
PORTO ALEGRE – “Não é só possível, é necessário, temos que fazer.” Essa é a opinião do suíço Jean Ziegler, relator especial da ONU sobre direito alimentar, quanto à proposta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ao G-7 (grupos dos sete países mais ricos do mundo) de criar um fundo
internacional para combater a fome. “Um problema da política internacional é a falta de idéias, a indolência”, disse. “A força de Lula e do Brasil, que é uma grande potência mundial, está em propor vias novas.”
Segundo o relator, “o massacre silencioso da fome é o primeiro escândalo do mundo: 100 mil pessoas morrem de fome por dia e 826 milhões – um sexto da humanidade – são cronicamente subalimentados”. Ziegler citou um dado da Organização de Alimento e Agricultura da ONU (FAO) segundo o qual o planeta tem recursos para alimentar 12 bilhões de pessoas, o dobro da humanidade, sem usar alimentos transgênicos.
“É um problema de distribuição, de acessibilidade, de renda e geralmente de reforma agrária”, afirmou. “Por trás de cada morto de fome, há um assassino. Lula dizendo ao G-7, aos donos
do mundo, que eles devem atacar o problema, é um progresso formidável no discurso internacional.”
Ziegler, que se reunirá com Lula no dia 2 em Brasília, não quis entrar na polêmica sobre a idéia inicial do projeto Fome Zero de distribuir cupons de alimentação ou de obrigar os beneficiados a comprar comida com o dinheiro. “É uma decisão soberana”, esquivou-se. “Todos esses programas com cupons, cheques, cartões magnéticos servem para a emergência humanitária, não são a
solução”, enfatizou apenas. “A solução é aumentar a renda de cada família e dar a terra, créditos e irrigação aos pequenos agricultores.”
Ele contou que, em 2002, Fernando Henrique lhe entregou um relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, segundo o qual havia 22 milhões de brasileiros cronicamente subalimentados. O novo governo fala em 44 milhões. “Não importa o número. É uma tragédia, mas também um sinal da inteligência da democracia brasileira, porque fala do problema”, elogiou. “Alguns governos dizem que não existe fome, que a ONU está enganada. Mesmo num governo conservador, neoliberal (como o de Fernando Henrique), existia uma vontade de transparência.”
Lula para a Internacional – Ziegler, que é membro do Conselho Executivo da Internacional Socialista, aproveitou ainda para lançar o nome de Lula para presidir a organização fundada em 1864 por Karl Marx. Ele disse que representantes franceses e escandinavos do conselho apóiam a iniciativa, enquanto os ingleses e alemães, mais “eurocêntricos”, preferem alguém da Europa.
O conselho se reuniu nos dias 20 e 21 em Roma, onde o PT esteve representado pelo deputado eleito José Eduardo Cardozo, como observador. O partido não é membro efetivo da Internacional – entre os brasileiros, só o PDT é. O mandato do atual presidente, o ex-primeiro-ministro português António Guterres, já está expirando.
“Nossa ala acha que a saúde, a renovação e a saída do etnocentrismo da Internacional passariam por um presidente do Hemisfério Sul”, disse Ziegler. “A esquerda na Europa não tem projetos
claros, está totalmente desorganizada. (O presidente francês Jacques) Chirac é de direita e (o chanceler alemão Gerhard) Schroeder se rendeu ao neoliberalismo.” Segundo ele, o presidente brasileiro é grande fonte de inspiração.