Imigração judaica só começou oficialmente em 1810, após Portugal permitir a vinda de não-católicos
O Tratado de Aliança e Amizade, firmado entre Brasil e Inglaterra em 1810, deu início a um novo período na história da imigração judaica. O tratado, assinado no momento em que a Inquisição portuguesa era desativada, permitia oficialmennte a vinda de imigrantes não-católicos para o Brasil. Com o fim da política oficial de perseguição em Portugal e a legalização da entrada de imigrantes de outras religiões, os “cristãos-novos” dão lugar aos judeus.
De acordo com o historiador Nachman Falbel, da USP, o maior especialista dessa fase, os primeiros imigrantes judeus a beneficiar-se maciçamente foram os marroquinos, que vieram para o Norte. Tratava-se de comerciantes, que chegavam em “regatões”, barcos abarrotados de mercadorias, que negociavam com as populações ribeirinhas na Bacia do Amazonas.
Muitos deles acabaram se estabelecendo. Alguns casaram-se com índias, formando comunidades de uma espécie de judeus caboclos. Essas comunidades surgiram em Manaus, Belém, Santarém e cidades menores, chegando até Iquitos, no Peru. Até hoje, podem ser encontrados seus descendentes, bastante assimilados.
Os primeiros judeus chegaram ao norte do Brasil no início do século 19, antes do tratado. A primeira sinagoga da região foi construída provavelmente entre 1824 e 1826. Existe até hoje, em Belém. Esses imigrantes participaram ativamente do ciclo da borracha, que, em seu período áureo, de 1870 a 1914, atraiu grande número de judeus.
Em 1870, a vitória da Prússia sobre a França deu início a uma nova onda de imigração judaica: muitos judeus alsacianos, que não desejavam viver sob o domínio alemão, vieram tentar a sorte no Brasil. Eram imigrantes refinados, responsáveis, segundo o professor Falbel, pela introdução da moda francesa no Brasil. Instalaram-se sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Na segunda metade daquela mesma década, tinha início outro fluxo de imigrantes judeus, vindos do Leste Europeu, então dominado pelo Império Russo. O regime czarista impunha uma série de restrições aos judeus, impedindo seu acesso a cargos públicos e escolas, e confinando a maioria deles a uma região chamada de Pale, entre a Polônia e a Rússia.
A migração, para várias partes do mundo, era respaldada pelo barão Moritz von Hirsch, por intermédio da Jewish Colonization Association (JCA). Estima-se que o barão tenha empregado US$ 100 milhões em filantropia.
Em 1903, a ICA comprou as primeiras terras no Rio Grande do Sul, formando a Colônia Philipson. Para ela vieram famílias como a do atual presidente do Incra, Milton Seligman. Nos anos 20, os judeus já formavam uma comunidade bem estruturada no Rio e em São Paulo.
A próxima leva migratória começou com a ascensão do nazismo na Alemanha, no início dos anos 30. O regime de Getúlio Vargas era, por princípio, simpático ao nazi-fascismo e hostil à “imigração semita”. Mesmo assim, muitos vieram.
De acordo com o professor Falbel, a explicação para essa ambigüidade é que não havia só “filonazistas” no corpo diplomático brasileiro. Souza Dantas, o embaixador do Brasil na França, por exemplo, “não quis nem sequer ouvir falar na possibilidade de não dar vistos para os judeus”, afirma o professor. Concedia os vistos, contra a orientação do governo. “Por outro lado, o zelo exagerado de outros embaixadores impedia a outorga de vistos para judeus noutros países.”
Em O Anti-Semitismo na Era Vargas, publicado em 1988, a professora Maria Luíza Tucci Carneiro, também do Departamento de História da USP, mapeou a hostilidade contra os judeus, promovida por figuras-chave da ditadura, como o chanceler Oswaldo Aranha. Ironicamente, ele seria celebrado pelos judeus brasileiros, pelo papel que desempenhou na ONU em favor da criação do Estado de Israel.
O fato é que os judeus continuaram vindo. O próprio Falbel chegou com a mãe e dois irmãos em 1939, aos 6 anos, vindo da região da Galitsia, então território da Polônia, hoje pertencente à Ucrânia. O pai tinha vindo dois anos antes. Os avós e o restante da família ficaram e foram mortos pelos nazistas. Hoje, o professor Falbel administra o maior acervo da história da imigração judaica no País, provisoriamente instalado no clube A Hebraica, em São Paulo.
Há cerca de 150 mil judeus no Brasil. Não é uma comunidade grande, comparada com outras. Mas é importante: graças ao seu nível de educação, os judeus ocupam posições-chave no governo, no mundo empresarial, acadêmico e cultural; além disso, sua influência, seja por meio dos cristãos-novos, dos assimilados ou dos judeus que assim se conservam está impregnada na cultura e na história do País.
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