São Tomé e Príncipe, o menor país do continente, aguarda a visita ansiosamente
SÃO TOMÉ, São Tomé e Princípe – A primeira escala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua viagem por cinco países da África contém um certo simbolismo. Lula entra hoje na África por onde os negros capturados no continente saíam nos navios em direção ao Brasil: a ilha de São Tomé era usada como entreposto pelos comerciantes portugueses de escravos.
São Tomé e Príncipe, o menor país da África, com apenas mil quilômetros quadrados e 176 mil habitantes, aguardava ontem o presidente brasileiro com enorme expectativa. Banderolas de pano coloridas, parecidas com as de festa junina, foram penduradas nos postes, no caminho do aeroporto para o centro, e havia faixas dando-lhe as boas-vindas.
O geógrafo Jacy Braga Rodrigues, coordenador da Agência Brasileira de Cooperação, em São Tomé desde abril de 2002, conta que a notícia da eleição de Lula foi festejada com carreata e buzinaço nas ruas da cidade, assim como o pentacampeonato brasileiro na Copa do Mundo do ano passado. Os veículos da simpatia brasileira são os de sempre: as novelas da Globo, que a TV estatal pirateia, gravando da parabólica e retransmitindo; futebol e música.
Nem mesmo o apoio do Brasil ao impopular presidente Fradique de Menezes, durante o golpe de julho, parece ter arranhado a simpatia dos são-tomenses pelos brasileiros em geral e por Lula em particular. Menezes, o maior empresário de São Tomé, conseguiu retornar ao poder, depois do golpe liderado pelo major Fernando Pereira (conhecido como Cobó), graças à intervenção de um grupo de países integrado pelos Estados Unidos, Nigéria, África do Sul e o Brasil, representando a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Os militares golpistas, pertencentes ao Batalhão Búfalo, um grupo de mercenários de direita treinados na África do Sul para desestabilizar os governos de esquerda da região, foram anisitiados, como parte do acordo que permitiu o retorno de Menezes, cujo governo é acusado de desvio de dinheiro público e de não cumprir as promessas de melhorar o padrão de vida da população.
Lula vem assinar a extensão de dois programas geridos pela Agência de Cooperação: o Bolsa Escola, que já beneficiou 100 famílias, e agora atenderá a outras 400, proporcionando-lhes renda equivalente a US$ 20 por mês para manter os filhos estudando; e Alfabetização Solidária, pelo qual já passaram cerca de 3 mil jovens e adultos.
Os dois programas, criados no governo de Fernando Henrique Cardoso, são credenciados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e custeados com o perdão da dívida dos países pobres, cujos governos, em contrapartida, devem investir em iniciativas na área social. Angola, para onde o presidente parte ainda hoje, também passará a ter esses programas. Moçambique, o terceiro país a ser visitado, já tem.
Além das nobres causas, interesses comerciais também trazem o presidente para esses lados. São Tomé descobriu no ano passado grande quantidade de petróleo. Em um dos acordos que Lula assina hoje, a Agência Nacional do Petróleo assistirá o governo da ilha na criação de um marco regulatório, que por sua vez pode abrir caminho para a entrada da Petrobrás.
A ilha já tem um contrato para fornecer 10 mil barris de petróleo por dia para a Nigéria, gerando uma receita de US$ 1 milhão por mês. Nada mau para um país cujo orçamento anual é de apenas US$ 50 milhões, dos quais 80% provêm de ajuda internacional e o restante da exportação de cacau, base da economia de São Tomé.
A ilha era o único dos oito membros da CPLP onde o Brasil não tinha embaixada. Lula inaugurará a representação brasileira, a cargo do embaixador Saulo Ceolin. Antes, o Brasil era representado em São Tomé pela embaixada no Gabão, como fazem os Estados Unidos.
“É um país muito pequeno, mas com um significado político muito grande”, justifica o chefe do Departamento de África do Itamaraty, Pedro Motta. “Muita coisa praticada ao longo da nossa história veio de São Tomé, como o modelo de produção das fazendas do Nordeste.” Mesmo a palavra roça surgiu daqui. De acordo com Motta, a vinda de Lula realça a intenção do governo brasileiro de reforçar “as vinculações históricas e culturais e a identidade comum, a luta contra o subdesenvolvimento e os problemas raciais”.
Com 70 milhões de “afro-descendentes”, o Brasil é o segundo país do mundo em população negra, depois da Nigéria, salienta Motta. De maneira geral, o giro pelo continente, que inclui ainda Namíbia e África do Sul, faz parte de uma estratégia política traçada em Brasília, que o Itamaraty prefere não rotular de “construção de liderança” no Hemisfério Sul. “É um trabalho de aproximação madura, de cooperação e entendimento com os países da América do Sul e da África”, define Motta.
Em Angola, país com muito mais recursos naturais, que, além do petróleo, incluem os diamantes e o potencial de geração hidrelétrica, o Brasil tem mais ambições. Tanto que o grupo de 160 empresários que acompanha o presidente e o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, desembarca diretamente em Luanda, sem passar por São Tomé. A intenção dos brasileiros é obter contratos para reconstrução do país, cuja infra-estrutura foi destruída por duas décadas de guerra civil.
Em Moçambique, a Companhia Vale do Rio Doce pretende explorar as minas de carvão de Moatize e há interesse também na construção de uma hidrelétrica no Rio Zambeze. Os ricos recursos minerais de Namíbia e África do Sul também atraem as companhias brasileiras.
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