“Se você acha o Halloween assustador, espere para ver o 8 de novembro”, diz uma bruxa em uma charge do cartunista Harvell, viralizada nas redes sociais. Depois de uma corrida presidencial que mais parece uma montanha russa, repleta de surpresas, ataques e guinadas, Donald Trump e Hillary Clinton chegam empatados nas pesquisas do voto popular, e encostados no Colégio Eleitoral, que é quem decide. Entretanto, não é só o caráter dos candidatos que está à prova nessa eleição, mas a própria confiabilidade das pesquisas.
Se tropeçaram no Brexit e no referendo colombiano (ainda que por margens estatisticamente irrisórias), votações muito mais simples, imagine uma eleição complexa como a presidencial americana, envolvendo candidatos extraordinariamente vulneráveis, que não seguem alguns dos fundamentos de seus partidos e sofrem grande rejeição dos filiados, tornando seu voto errático. Somem-se a isso mudanças de hábitos, como a substituição dos telefones por celulares, e de técnicas, como a adoção das sondagens online, e tem-se a tempestade perfeita para os pesquisadores de opinião pública: uma infernal imprevisibilidade.
Mas, se isso servir de consolo, há um historiador que acertou o resultado de todas as eleições presidenciais americanas dos últimos 30 anos. E ele garante que vair dar Trump.
Por causa da alta rejeição aos dois candidatos, o comparecimento às urnas na terça-feira poderá cair para 52%, em vez da média histórica de 60%, estima Cliff Zukin, ex-presidente da Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública e professor da Universidade Rutgers (Nova Jersey). Essa quebra no padrão histórico torna mais incertas as extrapolações inerentes a toda pesquisa. “Sempre foi difícil simular um eleitorado provável, e acho que isso vai ser mais duro de fazer em 2016”, disse o especialista à agência Reuters.
Tradicionalmente, os institutos de pesquisas telefonavam para as casas dos eleitores, muitas vezes usando gravações e sistemas automáticos pelos quais eles “votavam” teclando um número. A escolha dos números pelas listas telefônicas permitia um certo balanceamento do perfil dos eleitores, segundo áreas das cidades. Mas as linhas fixas estão se tornando coisa do passado. Hoje, metade dos americanos tem apenas celulares — o que representa mais do dobro de 2010. A lei americana proíbe ligações automáticas para celulares, e não há também listas telefônicas para eles. Isso torna a sondagem por celular mais cara, e incentiva os pesquisadores a usar amostras menores e extrapolações maiores, para economizar nos custos. Resultado: menos precisão.
Se menos homens do que mulheres forem alcançados, por exemplo, os pesquisadores têm de deduzir que os homens que não participaram têm um comportamento parecido com aqueles que responderam, e isso não é necessariamente verdadeiro, explica o estatístico Robert Groves, da Universidade Georgetown, ex-diretor do Departamento de Censo dos EUA.
Essas fragilidades deslocam a atenção para métodos alternativos de previsão. O historiador Allan Lichtman analisou as eleições presidenciais de 1860 a 1980, verificou que há um padrão e criou um sistema com treze itens, ou “chaves”, que lhe permitiu acertar os resultados das oito eleições presidenciais entre 1984 e 2012. Se seis ou mais desses itens forem desfavoráveis ao candidato à reeleição ou apoiado pelo presidente atual, ele é derrotado, garante Lichtman.
Em setembro, o historiador cravou que Trump venceria, quando o sexto fator desfavorável a Hillary se apresentou: o candidato Gary Johnson, do Partido Libertário (que propõe a diminuição do papel do Estado), ultrapassou a marca de 5% nas pesquisas. Lichtman explica que, quando o terceiro colocado, ou seja, o candidato nanico com mais votos, tem mais de 5%, isso quer dizer que a rejeição ao candidato (no caso, a candidata) do governo é tão alta que os eleitores que não votam no principal partido de oposição estão buscando uma alternativa. De fato, em algumas pesquisas, a rejeição a Hillary, assim como a Trump, aproxima-se dos 50%, até mesmo entre os eleitores democratas e republicanos, respectivamente.
É bem verdade que, no caso específico de Johnson, ele exprimiria uma rejeição maior a Trump do que a Hillary, já que são os republicanos que concorrem com os libertários, por estarem ideologicamente mais próximos de sua plataforma de um Estado mínimo. Mas isso não é relevante para o padrão histórico elaborado por Lichtman, que tem a frieza dos modelos matemáticos. Antes de setembro, contabilizava o historiador, eram apenas cinco fatores, e por isso a vitória da oposição ainda não estava assegurada.
De lá para cá, a candidatura de Trump sofreu sérios golpes, com a divulgação do vídeo em que ele se vangloria de fazer o que quer com as mulheres, por ser “uma estrela”, as acusações de assédio sexual e a criticada posição de não garantir que aceitaria uma eventual derrota na eleição. Nada disso abalou a certeza de Lichtman, simplesmente porque os seis fatores contrários a Hillary continuavam de pé.
Impassível diante dos atropelos nas campanhas de Trump e de Hillary — que o FBI voltou a investigar, ao encontrar seus emails no laptop do ex-marido de sua principal assessora —, Lichtman diz que o que ameaça a vitória do candidato republicano é a oscilação das intenções de voto em Johnson. Neste momento, a média das pesquisas, calculada pelo site Real Clear Politics, confere 4,6% ao libertário; 2,1% a Jill Stein, do Partido Verde; 45,3% a Hillary e 43,4% a Trump. Duas pesquisas colocam Johnson acima do número mágico de 5%: a da Fox News, que lhe atribui 7%, e a da NBC, 6%. Entretanto, a mais atual, o tracking do jornal Washington Post e da ABC, feito entre 28 e 31 de outubro, dá 3% a Johnson e 2% a Stein, enquanto Hillary e Trump aparecem empatados com 46%.
Claro que o que importa é a distribuição dos votos entre os Estados, para formar o colégio eleitoral, mas mesmo aí a distância entre Hillary e Trump encolheu. São necessários 270 votos para se eleger. Pela média do Real Clear Politics, sem considerar os Estados cujos resultados são incertos, por estarem na margem de erro e historicamente “pendular” entre os dois partidos, Hillary teria assegurados 226 delegados e Trump, 180. Mas, quando se considera quem está liderando em todos os Estados, mesmo que por diferença ínfima, a democrata teria 273 e o republicano, 265. Em um terreno tão movediço, é uma vantagem muito insegura.
O historiador reconhece, no entanto, que Trump representa um desafio ao seu modelo, que afinal é baseado no desempenho de políticos, digamos assim, “normais”. “Nunca vimos alguém tão demolidor da história, criador de precedentes, um candidato tão perigoso que poderia mudar os padrões da história que prevaleceram desde a eleição de Abraham Lincoln em 1860”, observa Lichtman.
“Acho que essa eleição tem o potencial de romper as fronteiras normais da política americana e reconfigurar tudo, incluindo, talvez, as chaves da Casa Branca”, advertiu o historiador, em entrevista ao Washington Post. “Olhe, não sou vidente. Não olho numa bola de cristal. As chaves são baseadas na história, e sobreviveram a muitas mudanças. Elas são robustas. Mas pode chegar um momento em que a mudança é tão cataclísmica que altera os fundamentos de nossa política, e essa eleição tem esse potencial. Não sabemos ainda.”
Trump está inovando. E Hillary também, se perder por se revelar ainda mais problemática do que seu exótico adversário. As bruxas continuam soltas.