Ministro diz que Exército renunciou a protagonismo

Segundo o general Gleuber Vieira, os militares estão atentos ao que se passa no País

O Exército abandonou definitivamente o protagonismo político no Brasil, o militar brasileiro é educado para a democracia e vive os problemas do País como um cidadão qualquer. É o que afirma o ministro do Exército, general Gleuber Vieira, nesta entrevista exclusiva ao Estado.

Estado – O Exército renunciou completamente ao protagonismo político?

Gleuber Vieira – Sim. O Exército tem sido importante ator no cenário mais amplo da vida nacional, desde os primórdios da formação da nossa nacionalidade. Convém lembrar, no entanto, que as episódicas intervenções do Exército na vida política nacional deram-se sempre por razões circunstanciais e com respaldo da sociedade, da qual é um segmento dos mais representativos.

Estado – Essa renúncia está explicitada na doutrina?

Gleuber – Não. Nunca constou da doutrina militar brasileira que o Exército interferiria na política. Assim sendo, torna-se desnecessária qualquer menção neste sentido. Não é preciso constar que não interfere.

Estado – O oficial é educado para a democracia?

Gleuber – Os integrantes da Força, aí incluídos os oficiais, recebem educação até mais abrangente. O Exército brasileiro educa para a vida. Os militares estão atentos ao que se passa no País e se ajustam continuamente à realidade. Os valores democráticos estão por nós historicamente assimilados e são exercidos diuturnamente. Ressalte-se que o Exército é uma instituição democrática por excelência. O processo decisório militar comporta ouvir opiniões dos diversos escalões interessados, até o momento da decisão. A partir de então, a autoridade de quem chefia ou comanda é exercida em sua plenitude. Democracia sem autoridade fatalmente redunda em anarquia.

Estado – O Exército identifica hoje ameaças à ordem interna?

Gleuber – Sim, o Exército acompanha atentamente a eventual instabilidade social que possa resultar do agravamento das tensões decorrentes do aumento do desemprego, da ação nefasta do crime organizado, do acirramento da questão agrária e outros problemas que possam afligir nossa gente.

Estado – Qual o papel do Exército diante dessas ameaças?

Gleuber – Prestar apoio aos poderes constituídos, sempre que solicitado e autorizado pelo comandante supremo, o presidente da República. Nós somos a última linha de defesa da ordem interna. Em caso de graves perturbações da ordem, cabe ao Exército, por preceito constitucional, interpor-se para evitar o acirramento dos ânimos e restaurar a ordem, depois de esgotada a capacidade de atuação dos meios à disposição das autoridades locais.

Estado – O Exército não se preocupa com as conseqüências políticas dessas ações internas?

Gleuber – Sim, mas entendemos que elas decorrem do cumprimento de nosso dever constitucional. É um alto preço que historicamente nos tem sido cobrado por aqueles que, dissociados do sentimento geral da Nação, pretendem afastar o Exército brasileiro do povo que lhe deu origem.

Estado – Como o Exército se vê executando tarefas que não são militares, como a distribuição de alimentos no Nordeste, vacinação, etc.?

Gleuber – Achamos que devemos ajudar e que, em alguns casos, isso serve inclusive aos propósitos de treinamento militar, pois exercitam-se atividades de planejamento, escoltas de comboios, marchas motorizadas, dentre outras. Mas achamos também que não devemos assumir essas tarefas indefinidamente, por mais que as executemos bem, porque a nossa permanência resultaria numa ocupação de espaço dos órgãos delas encarregados.

Estado – As tensões no pacto federativo preocupam o Exército?

Gleuber – Não preocupam, mas é nosso dever acompanhar atentamente o desenrolar dos acontecimentos.

Estado – O Exército se prepara para que guerra?

Gleuber – O Exército se prepara para evitar que haja guerra.

Estado – A dissuasão é a função principal?

Gleuber – Exatamente. Para isso, o Exército se prepara com afinco, a fim de assegurar que a Força Terrestre seja capaz de desestimular eventuais ameaças e mesmo de se contrapor a ações concretas no âmbito interno e externo.

Estado – Que porcentagem da tropa integra as unidades de pronto emprego?

Gleuber – Somando forças de ação rápida e tropas de pronto emprego, cerca de 30% de nosso efetivo.

Estado – E o restante, para que serve?

Gleuber – Para a outra grande função do Exército, ao lado da dissuasão: a presença. Historicamente, nossas unidades estão espalhadas por todo o território nacional, e são um fator de estabilidade social pela garantia que representam para a manutenção da lei e da ordem. Em muitas regiões, sobretudo nas fronteiras e na Amazônia, ainda hoje, elas são o único representante do Estado brasileiro.

Estado – Que porcentagem da tropa está na Amazônia?

Gleuber – Cerca de 20%.

Estado – Se é aí que a presença é mais necessária, não teria de haver mais tropa?

Gleuber – Talvez devesse até haver um pouco mais, mas isso não é o que nos preocupa, porque o adestramento específico do soldado da Amazônia é excelente. O que buscamos melhorar sempre é a qualidade do combatente, adequando-o para aquele tipo de ambiente, com um mínimo indispensável de suporte tecnológico.

Estado – Por que o Exército não se engaja mais intensamente na troca da quantidade de homens pela qualidade tecnológica, de equipamento e de treinamento?

Gleuber – Redução de efetivos não é um objetivo em si. É preciso atentar para o fato de que o porte do Exército deve estar em consonância com a estatura geoestratégica do Brasil e o realce que dele se espera no cenário internacional. Até podemos admitir estudar esta hipótese, desde que seja produto de uma decisão amadurecida da sociedade, resultando no compromisso de que a parte do orçamento não investida em pessoal possa ser revertida em salto tecnológico, fator de emulação profissional para a tropa e instrumento de dissuasão.

Estado – Que lições o Exército tirou do incidente na fronteira com a Colômbia (em que o Exército colombiano usou, sem autorização, uma base brasileira)?

Gleuber – O incidente mostrou o nível de imprevisibilidade da situação na nossa fronteira. Temos de estar preparados para situações inesperadas como essa.

Estado – Qual o clima na tropa, diante da situação por que passa o País?

Gleuber – É preciso entender que o soldado, e aqui uso o termo no sentido amplo, englobando toda a Força, é, em primeiro lugar, um cidadão brasileiro. Assim sendo, nosso homem tem preocupações idênticas às de qualquer brasileiro diante de uma crise econômica ou dos demais problemas vividos pelo País. Como soldados, buscamos atingir bons níveis de satisfação profissional, que nos permitam bem cumprir nossa missão constitucional.

Estado – A criação do Ministério da Defesa está assimilada?

Gleuber – Sim. A criação do Ministério da Defesa decorreu de uma decisão política emanada do mais alto escalão. Não está mais em discussão. Cabe, isto sim, colaborar para que seja encontrada a melhor maneira de conduzir a implantação da nova pasta.

Estado – E quanto ao formato?

Gleuber – O formato proposto pelo governo resultou de um estudo do qual o Exército participou, junto com outros ministérios, civis e militares. A nosso juízo, a estrutura, conforme encaminhada ao Congresso, é satisfatória.

Estado – Pode ser modificada, no Congresso… 

Gleuber – Sim, mas ainda não estão claras as modificações que serão propostas. Quando isso ocorrer, emitiremos nossa opinião.

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