Ministério da Defesa não é bem visto pelos oficiais

Mesmo assim, eles seguem o método militar de, depois de discutir, acatar a decisão superior

 Quem ouve oficiais superiores da ativa falando abertamente sobre a criação do Ministério da Defesa pode ser tomado de um certo sobressalto. “Para que isso?”, perguntam, freqüentemente. “Ninguém nas Forças Armadas quer.” Mas eles costumam confortar os interlocutores civis com garantias: é decisão do presidente da República e já está acatada.

Não é difícil entender por que muitos militares da ativa não querem o Ministério da Defesa. Hoje, o chefe de cada Arma, como ministro, fala diretamente com o presidente. Como comandante de Arma apenas, passará a ter um intermediário: o ministro da Defesa. Houve certa resistência psicológica, dentre os integrantes da cúpula militar, de entrar para a história como aqueles que “perderam” os ministérios militares. Há um segundo aspecto psicossocial: a lei da inércia. Se a resistência a mudanças cimenta qualquer corporação, ela é ainda mais tenaz no estamento militar, formado por conservadores confessos.

Mas os oficiais estão resignados. Mais que isso, alguns esforçam-se até por se animar com a novidade: “O Ministério da Defesa pode otimizar o uso dos recursos e pode sobrar um pouco mais para o investimento”, calcanhar-de-aquiles das Forças Armadas brasileiras. Otimização não quer dizer economia – nem de dinheiro nem de tempo. “Pelos exemplos que estudamos, toda ou a maior parte das implantações de Ministérios da Defesa foi custosa e demorada”, alerta um general ocupante de alto cargo. “Alguns continuam de dois em dois anos modificando-se, porque ainda não atingiram o modelo satisfatório e alguns até hoje não deram resultados.”

A otimização dos recursos é a grande expectativa dos especialistas civis, em relação à nova pasta. Como reiteram os militares, o presidente sabe que o novo ministério não servirá para economizar com defesa. Pelo contrário, a criação da pasta representará despesa a mais, no curto prazo. Entretanto, esperam-se ganhos de eficiência operacional com a maior sintonia e coordenação entre as três Forças.

Em todo caso, os militares seguem o método intelectual ao qual foram condicionados: quando um superior abre para a discussão com seus subordinados, todos expõem livremente suas idéias; terminado o debate, o superior decide; a partir daí, cada opinião pessoal se tornará íntima; a decisão superior passa a vigorar como a posição de todos. No linguajar da Marinha: “Discussão é para todos; decisão tem galão.”

Nesse contexto, argumentar que o novo ministro teria de ser paisano para consolidar a supremacia do poder civil “é uma ofensa para os militares”, na opinião do especialista Thomaz Guedes da Costa, da Universidade de Brasília (UnB). “Os militares sabem como ninguém respeitar a autoridade e entendem o que está acontecendo.” Outro especialista, Eliézer Rizzo de Oliveira, da Universidade de Campinas (Unicamp), considera, porém, ter valor “simbólico” a nomeação de um civil.

O argumento mais prático em favor da nomeação de um civil foi o de que um militar, por advir de uma das Armas, teria maior sensibilidade para suas demandas, em detrimento das outras duas. Afinal, a maior vantagem de se ter um ministro da Defesa é justamente assegurar que ele tome decisões considerando não os interesses dessa ou daquela Arma, mas do País.

Por outro lado, tinha de ser alguém com grande trânsito entre os militares, e não são muitos os políticos enquadrados nessa categoria. Alguns oficiais falaram até de “dificuldade de mobiliar o ministério”, diante da falta de quadros civis na área da defesa. O ministro extraordinário da Defesa, Élcio Álvares, é mais reconhecido por sua habilidade de criar trânsito do que propriamente por seu conhecimento da área.

O presidente anunciou sua decisão de criar a pasta já no discurso de posse de 1995, embora ela não constasse do programa de governo. Levou-a aos ministros militares, não para que discutissem a decisão, mas para que propusessem modelos. Ouvidas – e em grande parte atendidas – as preocupações da Marinha e das outras Armas, a estrutura proposta é alvo de severas críticas. No núcleo das preocupações está o status dos futuros comandantes.

O deputado José Genoíno (PT-SP) condena o fato de os comandantes serem membros natos do futuro Conselho de Defesa Nacional. Numa de suas emendas, o deputado propõe que os comandantes sejam convocados para as reuniões do Conselho quando forem discutidos temas pertinentes a suas áreas. Mas que fiquem fora de debates de teor político, que podem ser sobre decretação de estado de sítio, por exemplo.

A proposta de emenda constitucional atribui ao Senado a competência de processar e julgar os comandantes, por crimes de responsabilidade, assim como acontece hoje com o presidente, o vice e os ministros. O almirante da reserva Mário César Flores, ex-ministro da Marinha, questiona essa equiparação: “Teriam de estender o privilégio aos secretários nacionais de todos os ministérios.”

Em vez de os comandantes das Armas definirem as promoções junto com o ministro da Defesa, Genoíno prefere que esse apenas os ouça, para depois decidir. O deputado acha também que é preciso “reforçar o papel do Ministério da Defesa de direção e gestão” das Forças Armadas. “Tudo tem de ser muito bem definido na área militar”, diz Genoíno, membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara. “Superposição de funções dá muito problema nessa área.” O almirante Flores também está preocupado: “Convém não criar um Ministério da Defesa com pouca autoridade, sem força.”

Guedes da Costa prevê uma “implementação conflituosa” do novo ministério. Por isso, acha que o ministro terá de se mostrar capaz de tomar decisões e, se decidir mal, que possa ser demitido, “sem traumas, sem implicações colaterais”. No que todos parecem concordar, inclusive os militares, é quanto à necessidade de aprofundamento da política de defesa, por parte do governo e do Congresso. “Se os políticos continuarem omissos nessa questão, o Ministério da Defesa não terá sucesso”, diz o almirante Flores. “Prevalecerá a tradição de autonomia, cuja mudança os militares aceitam, mas não cabe a eles fazer.”

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