Em reduto do movimento no sul do Afeganistão, moradores se ressentem da falta de segurança sob ocupação estrangeira
KANDAHAR – Quando os comboios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se movem pelas ruas de Kandahar, todos os carros têm de parar por vários minutos, até eles terminarem de passar, e os celulares deixam de funcionar, seus sinais embaralhados pelos equipamentos militares. Isso acontece pelo menos a cada hora. São pequenos incômodos, comparados com as mortes de civis nos bombardeios da Otan e nas trocas de tiros com os insurgentes.
Depois de quase oito anos de ocupação, muitos moradores de Kandahar – maior reduto e capital espiritual dos taleban, 480 km ao sul de Cabul – estão cansados disso tudo. Uma geração de jovens de classe média começa a expressar sua simpatia pelo Taleban, uma espécie de nostalgia por uma época não vivida: eles eram crianças quando os taleban ocuparam Kandahar em 1994, sua primeira conquista, daqui subindo para o norte até tomar Cabul em 1996; e adolescentes quando foram derrubados pelos americanos, no fim de 2001.
Na tarde de sexta-feira, descanso semanal muçulmano, quatro deles conversavam no Café Kandahar, o mais elegante da cidade. “A vida era muito boa na época dos taleban”, disse Abid, de 23 anos, dono de uma mercearia e estudante do ensino médio. “Não havia ladrões, corrupção nem bombas.”
“Os americanos deviam se retirar”, opinou Ziaul Haq, de 21 anos, que trabalha num instituto que dá cursos de negócios. “Eles disseram que vinham para nos salvar e não fizeram nada. O Afeganistão está só piorando.” Ziaul Haq compara: “Os taleban são muito melhores que os americanos. São afegãos e muçulmanos.”
“Os taleban que governaram o Afeganistão são pessoas muito boas, mas a maioria foi morta”, justificou Aziz Ahmad, de 19 anos, que está se preparando para os exames para entrar no curso de engenharia. “Agora há pessoas que se autodenominam taleban e que estão prejudicando a reputação deles.”
Assim como os outros três jovens – e, de resto, a imensa maioria da população em Kandahar -, Khoshal, de 18 anos, não votou na quinta-feira. “O presidente não faz nada e não confio em nenhum dos candidatos”, explicou Khoshal, também no último ano do ensino médio, e preparando-se para entrar em medicina. “Todos são corruptos e fantoches dos Estados Unidos.”
“O Taleban é o melhor regime, porque só tem um líder, uma decisão”, elogia o jovem. “A lei era cumprida e não havia corrupção.” Ele acrescentou: “Enquanto os americanos estiverem aqui, a situação não vai mudar. Eles são responsáveis por essa anarquia. Interferem na vida dos outros e matam quem não colabora com eles.”
Khoshal contou que em Arghandab, distrito rural de Kandahar de onde vem sua família, e reduto dos taleban, alguém disparou um tiro contra um soldado americano, sem atingi-lo. Em retaliação, “os americanos vieram com seus aviões e bombardearam a área, matando crianças, mulheres e velhos”.
O repórter do Estado lembrou que, se o Taleban tivesse entregado Osama bin Laden aos americanos, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, eles não estariam ocupando o Afeganistão. “Quando os EUA foram atacados, Osama não estava aqui”, assegurou Khoshal.
“Mesmo que estivesse, de acordo com a tradição pashtun, o Taleban não poderia entregá-lo, porque era nosso hóspede”, concluiu Khoshal, repetindo os argumentos dos taleban em 2001, quando ele tinha 10 anos de idade.
Os jovens negam até mesmo a face repressora do Taleban, como a proibição às garotas de estudar e aos meninos de soltar pipas (sua diversão favorita) e o banimento oficial da TV e de outras imagens. “Na época do Taleban havia escolas para garotas, eu tinha TV por satélite, tínhamos tudo”, disse Ziaul Haq. “Eu brincava de pipa”, garantiu Khoshal, mostrando as cicatrizes deixadas na sua mão pelo cerol, o vidro moído colado nas linhas para cortar as linhas dos outros meninos e derrubar suas pipas, em apostas consideradas antiislâmicas pelos taleban.
“Esses jovens não conheceram o regime do Taleban”, reage Zulmai, de 52 anos, formado em história e pedagogia e ex-diretor de uma fábrica de frutas estatal. “Os taleban não são gente civilizada. Se votar ao poder, os jovens verão o que é o Taleban, e também o odiarão.” Zulmai, demitido há seis meses da fábrica por rivalidades tribais, está muito longe de ser um fã de Karzai: “Este governo é pior que o Taleban. Nenhum dos dois criou oportunidades para uma vida normal no país.” Zulmai compara: “O Taleban arruinou a imagem do Islã e do Afeganistão. Os americanos e Karzai arruinaram a imagem da democracia.”
Mas nem todos os mais velhos detestam os taleban. “Na época deles não era muito ruim, e eles tinham muitos pontos positivos”, pondera Mohammed Ali,de 54 anos, dono de uma confeitaria em Kandahar e membro da minoria hazara. “A principal coisa que proporcionaram foi segurança. Os pontos negativos são que perturbavam as pessoas por causa de corte de cabelo, barba, etc.”
O pesquisador alemão Felix Kuehn, especialista em relações tribais, há cinco anos no Afeganistão – dos quais um ano e meio em Kandahar -, diz que essa associação entre o tempo do Taleban e a segurança é generalizada: “Do ponto de vista de um camponês, de que adianta as mulheres terem direitos, se ele não tem segurança para ir trabalhar na sua terra, e se todas as famílias agora têm um parente próximo morto no conflito?”
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