Lourival Sant’Anna
A palavra “Angst”, em alemão, carrega três sentidos, que em geral têm vocábulos diferentes nas outras línguas: medo, ansiedade e angústia. Dezoito anos depois da dissolução formal da Fração do Exército Vermelho, os alemães em geral, e os bávaros em particular, estão revivendo esses três sentimentos concentrados em uma só causa: o terrorismo. E com um novo sinônimo: imigração. Três dos quatro atentados desde o dia 18 foram cometidos por imigrantes — um afegão e dois sírios —, e o quarto por um filho de iranianos. Todos muçulmanos.
O afegão e o sírio dedicaram seus ataques ao Estado Islâmico; os outros dois deixaram que suas ações fossem atribuídas apenas ao seu tormento psicológico. Em qualquer caso, a onda de ações — e o pânico que ela causou — deu enorme força às críticas à política de imigração da chanceler alemã Angela Merkel, produzindo até mesmo fogo amigo da União Social-Cristã (CSU), que governa a Baviera, aliada da União Cristã-Democrata (CDU), de Merkel.
Nesta quarta-feira, a imprensa local noticiou que teria havido uma “explosão” perto de um escritório de cadastramento de refugiados em Zirndorf, na Baviera. A informação acabou desmentida pela polícia, que explicou que houve um incêndio em uma mala, aparentemente causado por um aerosol. O incidente ilustra o grau de nervosismo dos em geral ultra-sóbrios alemães. A Baviera foi cenário de três dos quatro atentados dos últimos dez dias, o que serve de combustível para os que culpam a imigração: por sua localização ao sul do país, o Estado de maioria católica é a porta de entrada dos refugiados vindos da Síria, Afeganistão e outros países mergulhados na violência.
“A última semana golpeou a Baviera no estômago”, disse o governador do Estado, Horst Seehofer, que também preside a CSU. “O Estado Islâmico chegou à Alemanha e os bávaros esperam que o Estado os proteja.” Ao seu lado, o secretário do Interior do Estado, Joachim Herrmann, afirmou que a rejeição de um pedido de asilo de alguém vindo de uma região em crise, como o Afeganistão, “não deve mais ser tabu”.
O primeiro ataque, ocorrido no dia 18, em Würzburg, partiu de um jovem afegão de 17 anos, que feriu com um machado quatro turistas de Hong Kong e uma mulher alemã, depois de receber a notícia da morte de um amigo em seu país. O adolescente morava com uma família alemã, depois de ter vivido em uma casa com outros jovens refugiados.
O sírio de 27 anos que executou outro ataque, em Ansbach, no domingo, 24, tinha tido o seu pedido de asilo rejeitado, mas sua expulsão da Alemanha fora adiada para que ele fosse submetido a tratamento mental. O sírio pretendia detonar explosivos em sua mochila no local onde se realizava um festival de música, com 2.500 pessoas. Mas não conseguiu entrar e deflagrou os explosivos do lado de fora, morrendo e deixando 15 feridos. O Estado Islâmico (EI) afirmou que ele tinha sido militante do grupo na Síria.
Ambos disseram em seus vídeos gravados antes da ação que pretendiam “vingar a morte de muçulmanos”, em nome do EI. A Alemanha participa da coalizão de 15 países, liderada pelos EUA, que bombardeia alvos do EI na Síria e no Iraque, com 1.200 militares, 6 caças Tornado, um avião de reabastecimento e uma fragata.
No Estado de Baden-Württemberg, onde também no domingo um refugiado sírio matou uma mulher grávida a facadas, o secretário do Interior, Thomas Strobl, pertencente à CDU de Merkel, declarou que os refugiados deveriam ser colocados sob “suspeita geral”. Burkhard Lischka, porta-voz para assuntos de segurança pública e imigração do Partido Social-Democrata, que integra a coalizão de governo, disse que “qualquer solicitante de asilo ou refugiado rejeitado deve deixar a Alemanha”. Parece óbvio, mas não é o que tem acontecido. Vindo de um dirigente de centro-esquerda, mostra o tamanho do desconforto dentro do próprio governo. Assessores de Merkel responderam que os três imigrantes chegaram à Alemanha antes da onda do ano passado, quando o país recebeu 1 milhão de refugiados.
Os defensores da política de imigração de Merkel argumentam que, no longo prazo, ela protegerá a Alemanha contra o terrorismo, ao fortalecer a composição multicultural do país e consolidar uma imagem favorável ao Islã, incentivando a própria comunidade a denunciar os radicais. Nesse sentido, o caso do alemão filho de iranianos Ali David Sonboly, de 18 anos, é emblemático. O rapaz, que sofreu bullying na infância (como Omar Mateen, o filho de afegãos autor do ataque à boate gay em Orlando), abriu fogo na frente de uma lanchonete McDonald’s em Munique, capital da Baviera, matando 9 pessoas e ferindo 27, antes de se suicidar.
Sonboly não era um radical islâmico. Orgulhava-se de sua origem ariana (que une iranianos e alemãos) e procurou atrair, pelo Facebook, pessoas de origem turca e árabe para seu massacre. Respondeu “Sou alemão”, a um homem que gritou para ele: “Estrangeiros de merda”, quando viu o jovem abrindo fogo. Essa história alimenta a certeza entre muitos alemães de que, independentemente de todas as oportunidades que lhes sejam oferecidas, estrangeiros lhes causarão dores de cabeça, sempre.
Some-se a isso a evidente impossibilidade física de se vigiar tanta gente. “É virtualmente impossível conter lobos solitários se seu círculo social não alertar as autoridades”, atesta Rainer Wendt, presidente do sindicato nacional dos policiais. “A polícia não pode vigiar todas as pessoas. Temos o suficiente para agirmos em relação às pessoas sobre as quais se diz que representam ameaça.”
O dirigente sindicalista — livre para expor os sentimentos dos policiais, que não podem pronunciar-se — critica a política de imigração: “Desisiimos de controlar nossas fronteiras no ano passado e não permitimos que a polícia averiguasse tudo o que deveria ter sido averiguado. Nem as identidades de todas as pessoas que vieram para cá nem a saúde mental e física foram examinadas. Embora nestes dias vejamos essa instabilidade psicológica, terrorismo e criminalidade estão misturados.”
Esse é um aspecto revelador. Agora que os terroristas islâmicos estão agindo mais na Europa e nos Estados Unidos, onde o jornalismo dispõe de muito mais recursos investigativos e há mais informação disponível nos órgãos públicos do que no Oriente Médio e na África, têm-se construído retratos mais completos dos suicidas. Seus aspectos de tormento psicológico vêm à tona, e não apenas sua pura e simples radicalização religiosa. O mesmo se aplica ao passado de crimes comuns de muitos deles. Como diz Wendt, instabilidade psicológica, terrorismo e criminalidade andam juntos.
Merkel fez nesta quinta-feira uma defesa eloquente de sua política de portas abertas. “Uma rejeição da postura humanitária que adotamos poderia levar a consequências ainda piores”, disse a chanceler alemã. “Os agressores querem minar nosso senso de comunidade, nossa abertura e disposição de ajudar as pessoas que necessitam. Firmemente rejeitamos isso.”
Referindo-se à sua posição no auge da crise dos refugiados, na virada do ano, ela acrescentou: “Eu não disse que seria fácil. Eu disse na época, e direi agora, que podemos cumprir nossa tarefa histórica — e este é um teste histórico em tempos de globalização. Assim como já enfrentamos tantas coisas, podemos enfrentar isso. A Alemanha é um país forte.”
Em reação ao traumático passado nazista, gerações de alemães cresceram repelindo o nacionalismo e cultivando uma forte identidade europeia e cosmopolita. Além desse aspecto psicossocial, o que levou o governo Merkel a acolher os refugiados foi também um frio cálculo econômico: a população em idade ativa diminuirá em 6,3 milhões até 2030. Se não chegarem jovens de fora, faltarão braços para sustentar os aposentados. Claro que os alemães não estão prontos, no entanto, para enfrentar bombas reais para desarmar sua bomba demográfica.
Os atentados na França, Bélgica e Alemanha estão derrubando as taxas de ocupação dos hotéis nas principais cidades europeias e também o faturamento das companhias aéreas. A companhia alemã Lufthansa divulgou um aviso aos investidores na quarta-feira, 20, informando que sua receita deve cair entre 8% e 9% no segundo semestre por causa das incertezas econômicas causadas pela saída britânica do Reino Unido e dos “repetidos ataques terroristas na Europa”.
Os hotéis na Europa têm dado descontos de 20%, em média. Os preços das passagens dos Estados Unidos para a Europa chegaram ao patamar mais baixo das últimas décadas. As passagens para Paris caíram 15% em relação ao ano passado. As ações de empresas que trabalham com turismo estão em queda livre desde o começo do ano. O valor das ações da companhia britânica Thomas Cook caiu 47% e do grupo alemão TUI, 32%.
O importante índice do Centro para a Pesquisa Econômica Europeia (ZEW), de Mannheim, registra uma mudança de humor nos agentes econômicos alemães. O índice de sentimento econômico variou de 19,2 positivos, em junho, para 6,8 negativos, em julho. O indicador tem como base a consulta a 220 analistas e investidores, que foram ouvidos entre os dias 4 e 18. Portanto, não repercutiram sobre ele os atentados na Alemanha, que começaram justamente no dia 18. Mas o massacre de Nice, no dia 14, e sobretudo a saída britânica da União Europeia, estão aí contabilizados. “A incerteza acerca das consequências do plebiscito para a economia alemã é amplamente responsável pelo declínio substancial no sentimento econômico”, explicou o presidente do ZEW, Achim Wambach.
Já o Índice de Ambiente de Negócios (IFO), divulgado na segunda-feira, teve uma queda menor que a esperada, de 108,7 em junho para 108,3. O indicador cobre os setores da manufatura, construção e vendas no atacado e no varejo. A queda não foi maior por causa de um otimismo com o crescimento nos Estados Unidos e a expectativa de uma retomada nas economias emergentes, segundo analistas.
Faz parte da doutrina do Estado Islâmico tentar enfraquecer seus inimigos economicamente, atacando seu alvo mais vulnerável e de maior impacto, a indústria do turismo. Agora, o grupo chega à Alemanha, o carro-chefe da economia europeia. O alcance dessa campanha ainda está para ser avaliado.
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