Maiores distorções estão no funcionalismo

Aposentadorias maiores que os salários tornam o regime dos servidores único no mundo Regime não observa relação entre contribuições e benefícios

As maiores distorções do sistema previdenciário brasileiro estão no setor público. A avaliação é do próprio Ministério da Previdência e Assistência Social. “O valor da aposentadoria concedida ao servidor público civil da União não guarda nenhuma relação com sua vida pregressa e sua contribuição, pois, no cálculo, só entra o valor da última remuneração”, assinala o Livro Branco da Reforma da Previdência, editado pelo ministério. Só a partir de 1993, os servidores ativos passaram a pagar contribuição previdenciária de 11% sobre seus salários integrais.

A Emenda nº 20, promulgada em 15 de dezembro, impôs alguns limites à aposentadoria do servidor. Ela passou a estar sujeita ao teto salarial do funcionalismo, porque o aposentado não pode ganhar mais do que o salário do servidor em cargo equivalente àquele pelo qual se aposentou.

No caso da União, o salário mais alto é o dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 12.700. No Executivo, o teto é o salário de ministro de Estado (R$ 8 mil), o mesmo dos congressistas. Para os ativos, esses limites ainda não foram impostos.

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previu que, em 180 dias, seriam revistos os benefícios dos aposentados e pensionistas e ajustados às novas regras. E estabeleceu que os proventos que estivessem “em desacordo com a Constituição” seriam “imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido”. Segundo um técnico do MPAS, desde então, cerca de 20 inativos do Executivo obtiveram liminares assegurando benefícios acima de R$ 8 mil.

A Constituição prevê que “os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos funcionários e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão”.

Como os servidores se aposentam com salário integral e os benefícios dos aposentados sofrem menos descontos, os inativos acabam recebendo mais do que os que estão trabalhando. Pelo Livro Branco, o Brasil é o único país onde isso ocorre. Os servidores da União são 1,9 milhão. Desses, 547 mil são aposentados e 370 mil, pensionistas. O ministério informa que, do total de servidores cuja remuneração ultrapassa R$ 7.500, 86% são aposentados e pensionistas.

A maioria dos países conta com dois sistemas: para os trabalhadores da iniciativa privada e para os funcionários públicos. Especialistas como o ex-ministro Reinhold Stephanes afirmam ser normal que funcionários de carreira do Estado aposentem-se em condições melhores do que os da iniciativa privada: é uma forma de o Estado premiá-los pela dedicação e recompensá-los por especificidades da carreira, como não receber por hora extra. Stephanes observa que, em outros países, os servidores se aposentam, em média, com 70% dos salários da ativa, enquanto aqui a média é de 110%, saltando, no Judiciário, para 140%.

Antes da Emenda nº 20, os diferentes regimes e critérios permitiam que servidores se aposentassem várias vezes, dando origem aos superbenefícios. Essa torneira foi fechada. A proposta inicial da reforma da Previdência impedia, também, que os aposentados do funcionalismo acumulassem o benefício com salário de servidor. O beneficiário seria obrigado a abrir mão do que valesse menos. Stephanes diz que Fernando Henrique Cardoso havia concordado com essa regra. A Câmara a derrubou.

Os privilégios não se resumem ao valor do benefício. Os servidores usam tempos fictícios para obter aposentadoria, como licença para tratamento de doentes e da própria saúde que exceder dois anos.

A idade média dos servidores civis da União que se aposentaram voluntariamente com proventos integrais é de 57 anos e, com proventos proporcionais, de 51. Mas 20% conseguiram aposentadoria integral com até 50 anos de idade e metade com até 55. Isso, antes da promulgação da Emenda nº 20, que estabeleceu idade mínima de 53 anos para homens e 48 para mulheres que já haviam ingressado no serviço público, e de 60 e 55, respectivamente, para quem ingressou ou ingressar depois de dezembro do 98.

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