Lourival Sant’Anna, de Tóquio
O primeiro-ministro Shinzo Abe está a caminho de entrar para a história como o governante mais duradouro do Japão no pós-Guerra. Seu Partido Liberal Democrático (PLD) aprovou no domingo a possibilidade de um terceiro mandato de dois anos na sua presidência. Isso permite a Abe seguir no cargo de primeiro-ministro — ocupado pelo presidente do partido com maioria no Parlamento — por dez anos no total, até o final de 2021. O feito é ainda mais marcante quando se considera que, antes de Abe assumir, em 2012, houve seis primeiros-ministros em seis anos (incluindo ele, entre 2006 e 2007, período que se somaria agora aos nove em que pode ficar).
Mas isso não é tudo. Numa prova de seu controle sobre seu partido, o primeiro-ministro arrancou essa decisão no momento em que enfrenta o pior escândalo de seu governo. Sua mulher Akie Abe renunciou no dia 23 ao cargo de diretora honorária de um jardim de infância privado em Osaka depois da denúncia de que a escola havia comprado um terreno público de 8 mil metros quadrados perto do aeroporto de Osaka por um preço sete vezes menor do que o que havia sido estipulado pelo Ministério das Finanças (134 milhões de ienes, ou 1,18 milhão de dólares, contra um valor inicial de 956 milhões de ienes).
Além disso, o jardim de infância transmite uma doutrina ultra-nacionalista para as crianças, com hinos patrióticos do século 19 e ensinamentos que apresentam Abe como um herói que protege o Japão de nações hostis como a China e a Coreia do Sul. Akie deu uma palestra na escola em setembro de 2015, segundo sua página no Facebook. Mas a primeira-dama e Abe garantiram que não tiveram nada a ver com os negócios da escola. Na noite de sexta-feira, manifestantes se reuniram na frente da Dieta, o Parlamento japonês, para exigir a renúncia de Abe. “Não destruam nossas crianças”, gritavam os manifestantes, que segundo os organizadores somaram 1.200.
Nada mais distante dos planos de Abe e do PLD do que renunciar. Se ele se eleger mais uma vez presidente de seu partido em setembro do ano que vem (na última convenção, em 2015, concorreu sozinho), e o PLD mantiver a maioria nas eleições de dezembro, também em 2018, superará a marca de seu tio-avô, Eisaku Sato, que governou entre 1964 e 1972, e atualmente detém o recorde de primeiro-ministro mais longevo do pós-Guerra. O irmão de Sato e avô de Abe, Nobusuke Kishi, também foi primeiro-ministro entre 1957 e 1960.
Pesquisa publicada pelo jornal Nikkei no dia 27 indica que Abe mantém uma sólida popularidade de 60%. Seu sucesso é mais uma prova da célebre frase de James Carville, estrategista de campanha de Bill Clinton em 1992: “A economia, estúpido”. Abe, hoje com 62 anos, aprendeu com seus erros do primeiro e curto mandato de 2006-2007, quando deu muita relevância a sua agenda ultra-nacionalista, incluindo modificar a Constituição para permitir às Forças Armadas japonesas ações preventivas para defender o país de rivais regionais como a China e a Coreia do Norte.
Em vez disso, o primeiro-ministro focou a partir de sua eleição em 2012 na economia, chegando a cunhar a expressão Abenomics para sua estratégia das “três flechas”, em referência à parábola tradicional japonesa segundo a qual um pai disse a seus três filhos que, unidos, eles seriam inquebrantáveis. O tripé erguido por Abe desde então na tentativa de impulsionar o crescimento é a expansão monetária, gastos públicos e reformas estruturais.
O resultado não tem sido uma maravilha. O PIB cresceu 1% em 2016 e a projeção para este ano é de 0,9%. É melhor do que o 0,1% negativo de 2011, e os números têm sido positivos desde então: 1,5% (2012), 2% (2013), 0,3% (2014), 1,2% (2015). Os japoneses dão crédito a Abe por ter arrancado o país da recessão .
“A situação está relativamente positiva”, disse a EXAME Hoje o corretor imobiliário Kazuoki Okamoto, de 40 anos. “Tem muita gente interessada nos imóveis e os preços estão subindo.” Ele avalia que o interesse é impulsionado pela taxa básica de juro negativa (— 0,1%), que faz os investidores tirarem o dinheiro do banco para aplicar em imóveis. “De certa forma as medidas têm surtido efeito, mas é preciso aumentar os salários dos trabalhadores no longo prazo, se não não vai durar”, acredita Okamoto. Essa é uma queixa comum: os japoneses dizem que não consomem porque os salários estão muito deprimidos. Somam-se a isso as preocupações com a aposentadoria. Apesar da idade mínima de 65 anos, o sistema previdenciário está caminhando para a insolvência, por causa da baixa taxa de natalidade e da longevidade da população.
A economia tem sido impulsionada não pelo consumo, mas pelas exportações, que no último trimestre do ano passado cresceram 2,6%, graças principalmente à venda de semicondutores para a China e de autopeças para os Estados Unidos. Com isso, o trimestre fechou em um crescimento anualizado de 1%, apesar da queda de 0,01% no consumo, que responde por 60% do PIB.
Isso explica o otimismo de Tsukasa Arisato, de 63 anos, que trabalha em uma trading com logística de comércio para países asiáticos. “Acho que a situação econômica tem melhorado”, avalia Arisato. Ele diz que esperava que a eleição de Donald Trump, com sua hostilidade ao comércio e sua intenção de sepultar a Parceria Transpacífico, fosse ter um impacto pior do que teve: “Não estou sentindo os efeitos ainda”. Mas ressalva que, “no geral, mesmo as empresas lucrando mais, não têm aumentado o salário”. Arisato conta que antes costumava sair para beber com os colegas de trabalho. Agora, prefere beber em casa, que sai mais barato. “Acabei de quitar o financiamento da minha casa e agora vou começar a poupar para a aposentadoria.”
O programador e desenvolvedor de sistemas Kengo, que não quis dar seu nome completo, considera que a situação tem piorado com a entrada de profissionais de sua área indianos e chineses, que aceitam trabalhar por menos que os japoneses. “Na minha área, os salários estão caindo”, queixa-se o jovem, que diz que não pode poupar nem consumir porque investe tudo o que ganha em cursos para se aprimorar.
Em contrapartida, a realização dos Jogos Olímpicos em Tóquio em 2020 trouxe uma injeção de ânimo nos japoneses. A estudante de economia Yuuna Mujahira, de 20 anos, conta que gasta tudo o que ganha, dando aulas particulares em um curso preparatório para vestibulares. “Gastei com auto-escola e com viagens internacionais”, exemplifica Mujahira, que mora com os pais. “Estou otimista com a economia até 2020. Depois, vai depender de como vão aproveitar o legado dos Jogos. Aí, já não tenho certeza.”
Harumi, uma intéprete de inglês que não quis dar seu sobrenome, sentiu na pele o efeito da Olimpíada no seu trabalho. Ela diz que mais estrangeiros estão vindo para o Japão, tanto a negócios relacionados com os Jogos como também a turismo, por considerarem o país mais seguro do que a França, por exemplo, alvo de atentados terroristas. Como boa japonesa, Harumi não relaxa: “A situação melhorou, mas também aumentou o número de intérpretes, e estou preocupada porque depois dos Jogos vai haver muitos profissionais e pouco trabalho”.
Uma das consequências para Abe da decisão de domingo de seu partido é que ele poderá ser o primeiro-ministro durante os Jogos que ele próprio conseguiu trazer para Tóquio. Apesar de sua ênfase na economia, no entanto, Abe não desistiu da reforma da pacifista Constituição japonesa, que em maio completa 70 anos. Promulgada por um governo pró-americano, em seguida à derrota na Segunda Guerra Mundial, ela é vista pelos nacionalistas como a expressão da “rendição” do Japão aos interesses estrangeiros. Durante a convenção do partido, Abe prometeu “lançar um debate concreto” sobre a revisão constitucional. Sua visão de um Japão mais poderoso militarmente está vinculada à sua aposta no êxito da Abenomics. “Dou minha palavra a vocês de que farei o melhor para criar um Japão que possa brilhar no centro do palco global”, prometeu ele aos correligionários. Um discurso que lembra o de seu amigo Donald Trump. Abe, o único governante que se reuniu duas vezes com Trump desde sua eleição em 8 de novembro, também apresenta o bom relacionamento com o presidente americano como um trunfo. “Pudemos demonstrar para o mundo que a aliança Japão-EUA não está nada abalada”, celebrou ele, referindo-se ao compromisso de Trump, durante o encontro entre ambos entre 10 e 12 de fevereiro, de honrar o pacto de defesa mútua entre os dois países.
Enquanto Abe celebrava a decisão de seu partido, a Coreia do Norte realizou mais um teste com mísseis balísticos. Foi um teste como esse no fim de semana em que ele estava com Trump em seu balneário de Mar-a-Lago, na Flórida, que suscitou a promessa do presidente americano de “apoiar o Japão 100%”. “Trata-se de um novo nível de ameaça”, declarou o primeiro-ministro. Com vizinhos como esse, a longa vida de Abe está assegurada.
(A convite do governo japonês)
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