A quinta reportagem da série demonstra como o atual modelo estimula precocidade e coloca a Previdência Social brasileira num círculo vicioso Discussão sobre reforma do sistema levou segurados a aposentar-se precocemente
O número de concessões de aposentadorias por tempo de serviço, que beneficiam majoritariamente os segurados de renda mais alta, cresceu mais de 50% nos últimos quatro anos, enquanto permaneceram estáveis as aposentadorias por idade, que atendem os mais pobres, e as pensões. Dentro da categoria de tempo de serviço, a fatia de concessões das aposentadorias proporcionais subiu de 71% para quase 80%. Essa tendência agrava as distorções do sistema.
A aposentadoria proporcional funciona assim: os segurados podem aposentar-se com 30 anos de serviço, no caso de homens, e 25, no caso de mulheres, recebendo 70% do valor do benefício a que teriam direito caso se aposentassem pelo regime integral, de 35 e 30 anos, respectivamente. Para cada ano a mais, o valor do benefício é acrescido de 5%.
Na análise dos técnicos do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), o aumento das aposentadorias proporcionais está vinculado à privatização das estatais e ao acirramento da competitividade entre as empresas privadas. As empresas tiveram de realizar grande número de demissões e, como forma de reduzir o impacto das indenizações, criaram programas de demissão voluntária, que incluíram aposentadorias precoces, por tempo de serviço proporcional.
Além disso, reconhece o ministério, a própria discussão sobre a reforma da Previdência levou muitos segurados a aposentar-se precocemente, pelo temor de redução de benefícios. Muitos podem, também, ter feito uma conta simples e concluído que a aposentadoria proporcional, apesar de seu valor mais baixo do que o benefício integral, é mais vantajosa, considerando que o segurado pára de pagar as contribuições e recebe os proventos por mais tempo.
A aposentadoria proporcional é perniciosa para o sistema, não só porque aumenta a precocidade das aposentadorias, já acentuada no Brasil, mas, também, porque reforça seu papel como complemento de renda. O Brasil é um dos únicos, se não o único país do mundo que permite que os aposentados sigam trabalhando.
Assim, os segurados são estimulados a parar de pagar as contribuições e a aposentar-se, ainda que com valor mais baixo do que aquele a que teriam direito alguns anos mais tarde, e a continuar trabalhando, já que ainda são jovens e a lei permite. Comumente, permanecem no mesmo emprego. Em qualquer caso, disputam vagas no mercado de trabalho com os jovens. Como já recebem aposentadoria, podem aceitar trabalhar por menos, contribuindo para comprimir os salários.
De acordo com levantamento feito pelo MPAS, de uma amostra de 4,27 milhões de pessoas que se aposentaram, apenas 209 mil não continuaram trabalhando. A justificativa é a de que tanto os benefícios quanto os salários são baixos e a aposentadoria serve de complemento de renda.
Com isso, no entanto, o sistema deixa de receber contribuições e passa a pagar benefícios mais cedo e por mais tempo. Seu déficit, então, aprofunda-se, impedindo-o de pagar benefícios mais altos. Com benefícios cada vez mais baixos e contribuições mais altas, vale cada vez mais a pena aposentar-se mais cedo, ainda que por menos dinheiro, para parar de pagar contribuição, seguir trabalhando e acumular salário e benefício. Um autêntico círculo vicioso.