Em entrevista ao ‘Estado’, ex-general e deputado diz que forças estrangeiras não estão no país para ocupá-lo, mas para vingar o 11 de Setembro
CABUL – Com suas idas e vindas, o general Mohammed Almas, de 50 anos, é um típico político e militar afegão. Lutou ao lado do lendário comandante tajique Ahmed Shah Massud contra os soviéticos nos anos 80 e contra os taleban nos 90. Foi aliado de Gulbuddin Hekmatyar, que já lutou contra Massud e que hoje combate o governo do presidente Hamid Karzai. Os ex-aliados de Massud (morto num atentado dois dias antes dos ataques de 11 de setembro de 2001) estão divididos entre o apoio a Karzai e ao ex-chanceler Abdullah Abdullah, que também lutou ao lado do comandante tajique.
Deputado mais bem votado em 2005 na província de Parwan, com 6 mil votos, Almas reuniu ontem em Cabul cerca de 4 mil líderes tribais para manifestar seu apoio à reeleição do presidente. Antes de começarem os discursos, concedeu entrevista ao Estado, na qual admitiu que há corrupção e incompetência no governo de Karzai, mas garantiu que ele é o mais preparado para corrigir as próprias falhas.
Presidente da Comissão de Segurança da Assembléia Nacional (Parlamento), ele assegurou que o Taleban não é um problema do governo afegão, mas das forças internacionais que vieram “vingar” os atentados de 11 de setembro. Almas estima que seriam necessários 500 mil militares e policiais – quase o triplo dos atuais 175 mil -, além de treinamento e armas mais modernas, para os afegãos enfrentarem sozinhos os insurgentes.
Por que os afegãos devem votar outra vez em Karzai?
Ele é o único preparado para governar. Karzai leva em conta as falhas de seu governo, e é o que melhor pode repará-las em um segundo mandato. Ele conhece mais que ninguém os problemas de seu governo e da guerra em andamento. Se outra pessoa for eleita, demorará muito para formar o gabinete, e esse lapso será aproveitado pelo inimigo (taleban).
O que o senhor tem a dizer para as pessoas que acusam o governo de corrupção e incompetência, de não ter feito o bastante com todo o dinheiro que recebeu do exterior?
É um fato evidente que houve corrupção no governo de Karzai. Não negamos que houve falhas. Mas se outro for eleito, terá mais dificuldades do que Karzai de enfrentar esses problemas. Em nome do benefício maior, aceitamos falhas menores.
As divisões étnicas são importantes nessa eleição?
Apenas uma pequena minoria votará dessa forma: pashtun em candidato pashtun, tajique em tajique e assim por diante. Sou tajique e vou votar em Karzai, que é pashtun. A maioria pensa assim.
No próximo mandato, o governo afegão poderá derrotar o Taleban?
A derrota do Taleban não é uma questão do governo afegão. O Taleban está enfrentando a comunidade internacional; não o Exército e a polícia afegã, mas as forças da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Então, se as forças estrangeiras se retirarem, acaba o conflito?
Não. As forças estrangeiras vieram não para ocupar o Afeganistão, mas para se vingar dos atentados de 11 de setembro de 2001. Eles têm ou de derrotar o Taleban ou de admitir seu fracasso e retirar-se do Afeganistão.
Mas o Taleban quer governar o Afeganistão. Isso não é problema do governo afegão?
O Taleban não tem o apoio do povo afegão. Nas áreas que estão sob controle deles, eles dominam a população local. Quando o Taleban foi derrubado (pelos EUA em 2001), os afegãos que lutavam na resistência (contra o Taleban) entregaram suas armas, antes que o Exército e a polícia afegã tivessem sido formados. O Taleban aproveitou esse vácuo de autoridade para voltar.
Os taleban conseguirão atrapalhar as eleições?
Eles tentarão, mas tenho certeza de que não conseguirão nada.
Do que a polícia e o Exército afegãos precisam para assumir sozinhos a segurança do Afeganistão e deixar as forças internacionais partir?
Treinamento, armas modernas e aumento de seus efetivos.
Quantos policiais e militares são necessários?
No total, 500 mil (atualmente são 83 mil policiais e 92 mil militares)
Quando as forças internacionais poderão retirar-se?
São eles que decidirão. Para pedirmos para eles irem embora, teríamos antes de ter Exército e polícia fortes. No futuro, eles poderão ficar restritos a suas bases no Afeganistão.
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