A grande polêmica dos leilões

Especialistas acham que mais operadoras poderiam ter sido atraídas para o País

 A segunda camada de críticas à Anatel refere-se à atração de novos grupos e, com eles, competição. Geraldo Marques lembra que, quando a Anatel definiu as regras para as bandas C, D e E, com três licenças cada para as três áreas de atuação, já havia uma pulverização de operadoras nas bandas A e B nas três regiões. “Um dos problemas da pulverização é que não permite à empresa escala para reduzir o preço.” Para valorizar a Banda C, cujo leilão não teve participantes, Ethevaldo Siqueira acha que a Anatel deveria oferecê-la para um único operador nacional.

Com o adiamento do leilão da Banda C por liminar, o edital acabou prevendo prazo muito curto para as empresas cumprirem as metas, tornando inviável a entrada de um grupo novo para competir com as que já estavam instaladas aqui.

“Quem entra, entra fragilizado, com uma marca desconhecida, com clientes que não conhece”, explica Dário Dal Piaz Jr. “Infra-estrutura de telecomunicações é complicada. Você pode ter todo o dinheiro, mas, na hora de pôr o equipamento para funcionar, dá muitos problemas.” A Telefônica que o diga. “Aqui, temos ainda o problema da falta de mão-de-obra (qualificada).”

O atraso da licitação da Banda C tirou os seis meses de vantagem que as companhias de fora teriam sobre as Bandas D e E – cujos leilões venderam quatro licenças de um total de seis – para começar da estaca zero e concorrer com operadoras já instaladas aqui. “Houve um problema de falta de flexibilidade, de ajustar as regras à realidade”, comenta Geraldo Marques.

Para atrair um terceiro grupo de fora, que se interessasse em partir do zero para competir com as operadoras já instaladas, Marques acha que seria necessário baixar o preço da concessão e mudar as regras. O investidor trabalha com três fatores, diz Dal Piaz Jr.: o custo da infra-estrutura, o potencial de consumo do mercado e o preço da licença. Os dois primeiros são fixos e o terceiro, variável.

Além disso, arremata Ethevaldo Siqueira, o mercado brasileiro hoje é menos atraente do que no início das privatizações. As classes A e B já compraram celulares. O mercado potencial é o das classes C, D e E, que oferecem receita pequena, a maioria pelo sistema pré-pago. Enquanto esse sistema tem receita média mensal de R$ 17, a do pós-pago é de R$ 95. “Se a margem do pós-pago não for sólida, a empresa tem prejuízo nos primeiros anos”, diz Siqueira, para concluir: “Se você introduz mais três operadoras (em cada uma das três regiões) nesse ambiente, fica difícil.”

“Quando falaram em lançar três editais de uma vez, eu disse, em audiência pública, que isso era loucura, que estavam perdendo a chance de vender melhor cada um deles e de passar do duopólio para um cenário de cinco licenças”, recorda Siqueira.

“Esse desenho foi feito a partir de agosto do ano passado”, justifica o presidente da Anatel, Renato Guerreiro. Foi realizado um “road show” em outubro em Londres, outro em Nova York e dois no Brasil, divulgando quais seriam as regras. O mercado internacional, nesse momento, era favorável, assegura Guerreiro. “Publicamos o edital no dia 27 de novembro – nada de diferente estava acontecendo no mundo.” Os problemas no mercado surgiram entre dezembro e janeiro.

Ethevaldo Siqueira reconhece que a Anatel não poderia ter previsto a crise da Nasdaq. Mas, diante dela, “devia ter mudado a receita”. Haveria polêmica por causa da mudança das regras do jogo. “Mas o primeiro desafio de todas as agências é administrar as pressões.”

É aí que Guerreiro discorda. “Temos de parar de ser um país pouco confiável”, diz ele. “Não podemos colocar uma regra só quando ela nos é favorável, desmontando tudo ao perceber que ela pode não ser.” O Brasil, argumenta, já passou dessa época. “Hoje, é um país sério, sólido nas suas regras, e a previsibilidade das regras e da organização do mercado é uma das maiores virtudes que temos no setor de comunicações. Isso é fundamental para atrair os investidores.”

Ethevaldo Siqueira aponta um indício de que o governo já contava com o dinheiro: estava prevista no Orçamento uma receita de R$ 7 bilhões decorrente desses leilões. “Esse é o problema de tentar conciliar interesses políticos e fiscais com regulação.”

De acordo com Renato Guerreiro, a decisão sobre os leilões está vinculada à anterior, da escolha da faixa de freqüência de 1.800 megahertz. Essa faixa permite a oferta de três licenças, enquanto a de 1.900 resultaria no leilão de apenas duas.

“Nós dissemos: ‘vamos fazer para as três e não perderemos nada’.”, conta o presidente da Anatel. “Se o mercado estiver interessado, compra. Se não estiver, não compra.” Guerreiro garante que não tem a obrigação e nem se move pelo objetivo de vender licença, mas de oferecer ao mercado essa possibilidade. “Se a empresa adquire ou não, depende do negócio dela.”

Como tinha três licenças, a Anatel decidiu reservar uma para ver se conseguia atrair um novo operador para o Brasil, na Banda C. Guerreiro diz que havia sinais de que a inglesa Vodafone viria. Não veio. “Ninguém pode laçar a empresa e dizer: ‘Venha, você tem de comprar uma licença no Brasil’.” De qualquer maneira, afirma, o Brasil já tem muitos operadores. “Talvez sejamos o país do mundo que tenha o maior número de grandes empresas internacionais operando.”

O advogado Floriano de Azevedo Marques Neto, especialista em direito público, não vê no fracasso do leilão da Banda C uma falha da Anatel, mas decorrência natural do “desafio do regulador tentando ao máximo defender o interesse público e atender a várias dimensões conflitantes, como maior preço, maior competição, tecnologia mais avançada e qualidade de atendimento”.

A Anatel, avalia Azevedo Marques, que assessorou na formulação da Lei Geral de Telecomunicações e na regulamentação complementar, não errou ao levar essas metas ao máximo. Mas, quanto maior o estresse, maior o risco: “Carro de Fórmula 1 quebra mais que carro comum. Se a Anatel desse licença de graça, apareceria muita gente.” Marques se solidariza com a condição da agência: “Se oferece por preço barato, é acusada de amesquinhar; se exige demais, é acusada de tornar o processo inviável.”

O advogado sentiu na pele a falta de apetite dos investidores e a “incerteza jurídica”. Ele diz que foi consultado, em outubro, por quatro clientes interessados no leilão. Eles foram se retirando diante da redução dos investimentos disponíveis para o setor, com o leilão de mais de US$ 100 bilhões em concessões para operadoras na Europa no ano passado, a queda da Nasdaq – que reúne ações de muitas telefônicas – e a desaceleração da economia americana.

A liminar concedida “na boca do leilão” também fez recuarem dois “players” que tinham propostas e não as apresentaram, testemunha o advogado.

Para as bandas D e E foram permitidas empresas que já atuam no Brasil. “São os de sempre”, diz Marques. “Saímos de um monopólio e podemos estar indo para um oligopólio, com combinação de preços, e os mais prejudicados são os mais pobres, que continuam sem acesso, porque o preço não baixa.”

Telefônica, Telemar e Brasil Telecom não têm concorrentes reais. “As que entraram não têm condições de competir”, constata Dal Piaz Jr. “Em telefonia fixa, não fomos tão brilhantes”, conclui o especialista.

“Em todos os lugares do mundo, a competição do serviço local sempre foi muito difícil de avançar porque é um sistema com tradição de se suportar por uma rede única, normalmente de propriedade da dominante, que impõe uma série de dificuldades aos entrantes”, rebate Renato Guerreiro. “Pela primeira vez, abrimos possibilidade de as três espelhos pertencerem a um único grupo exatamente porque sabíamos que, se ficassem as três separadas para concorrer com as concessionárias das respectivas áreas, iam ficar frágeis.”

Além disso, ressalta o presidente da Anatel, a partir de 2002 as espelhos podem se associar noutra região com uma concessionária. “O modelo está em implantação”, diz ele. “A situação das espelhos ainda não está encerrada.”

Guerreiro argumenta que em todo o mundo tem havido dificuldades no início da implantação. “Até hoje, na Inglaterra, que começou em 1982, a British Telecom, que é a dominante, tem 80% do mercado local.”

Soluções para fazer as novas companhias disputarem mercado com as já solidamente instaladas existem. Dal Piaz Jr. cita o recurso ao unbundling, nos Estados Unidos, que dá às operadoras acesso individual aos usuários na rede. O consumidor pode mudar de operadora no mesmo dia. A nova aluga o cabo da linha da antiga prestadora, ao custo da remuneração da infra-estrutura.

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