JERUSALÉM E GAZA – O presidente Donald Trump incluiu Israel e a Cisjordânia no roteiro de sua primeira viagem internacional, há duas semanas. Como todos os seus antecessores, ele ambiciona entrar para a história como o estadista que trouxe a paz ao Oriente Médio. Depois de décadas de frustrações, no entanto, a maioria dos palestinos e israelenses não nutre muitas esperanças.
“Conforme você envelhece, fica mais cético”, constata o palestino Ismail Kaddoura, de 77 anos, dono de uma farmácia em Jerusalém. “Trump é um idiota”, resume o palestino, que estudou farmácia na Universidade de Massachusetts, nos anos 60. “Nunca haverá paz nesta terra.”
Segundo ele, um sentimento crescente entre os palestinos comuns, pelo menos em Jerusalém, é o de que a solução será não a criação de um Estado palestino, como se defende há décadas, mas a incorporação dos palestinos a Israel. É a chamada solução de um Estado. “Os assentamentos judaicos na Cisjordânia se tornaram enormes”, pondera Kaddoura,. “Eles não vão sair de lá. E nenhum líder palestino vai assinar um acordo prevendo que os refugiados não poderão voltar. Será chamado de traidor e poderá ser morto.” Portanto, ele acha que a solução de um Estado (Israel) acabará se impondo como fato consumado.
Hoje, os palestinos da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, de Jerusalém e de Israel somam 4 milhões — a mesma população que os judeus. E têm mais filhos que os israelenses. Por isso, os palestinos que comungam dessa ideia acham que, se um dia tiverem direitos políticos iguais aos israelenses, poderão governar o país.
“Se nos privarem dos nossos direitos, lutaremos por eles, não com armas, mas politicamente”, argumenta Kaddoura, cuja família tinha terras e casas em áreas ocupadas em 1948, quando Israel foi criado, e por isso não teve direito a cidadania israelense, segundo ele. “Se eu não terei um Estado, em 5 anos, 20 anos, meus filhos o terão.”
O engenheiro israelense Or Nahir, de 29 anos, que desenvolve programas de algoritmos para o mercado de ações, não acha seguro incorporar os palestinos ao Estado judaico. “Eles são uma sociedade muito violenta”, observa Nahir. “São mais violentos entre eles mesmos do que contra nós. Não podemos ignorar isso porque vivemos juntos. Você sabe que, se fizer um acordo de paz com o Estado Islâmico, assim que ele puder, vai matá-lo.”
O engenheiro continua: “Você pode dizer que é outra história, mas é a mesma cultura, a mesma religião. Se alguém mata o próprio filho porque é gay, vai matá-lo por qualquer razão”.
Tomando uma cerveja com amigos em um bar de Jerusalém Oriental no Shabbat, o descanso semanal judaico, Nahir conclui: “Talvez seja bom para os dois lados se separarem. É ingênuo achar que vai ficar tudo bem se nos retirarmos simplesmente (da Cisjordânia)”.
O palestino Nazih Koteineh, guia turístico em Jerusalém, também acha a solução de um Estado fora de cogitação: “Significaria que haveria a mesma porcentagem de palestinos e israelenses. Israel nunca permitirá isso, porque sempre disse que quer um Estado judaico”. Para Koteineh, a melhor solução são dois Estados. “Nós palestinos podemos dizer: ‘Tudo bem, nos dêem um Estado na Cisjordânia e ficaremos felizes’. Não queremos destruir Israel e ter um Estado na Palestina inteira. Isso não é realista. Mas os israelenses não querem um Estado palestino. Poderia ter havido uma solução há 30, 40 anos.”
Na sua visão, Jerusalém teria de ser dividida. “Um Estado palestino sem Jerusalém não é aceitável”, diz ele. Já a Faixa de Gaza, que Israel desocupou em 2005, mas mantém sob bloqueio desde 2007, depois que o Hamas assumiu seu controle, Koteineh acha que não pode continuar como está. “Precisa haver eleições democráticas, e quem vencer deve governar.”
O Hamas venceu as eleições de 2006, mas foi impedido de assumir pela Autoridade Palestina, dominada pelo Fatah, com apoio da comunidade internacional, por ser considerado um grupo terrorista e não aceitar a existência de Israel.
O grupo então tomou o poder à força em 2007 e expulsou o Fatah da Faixa de Gaza, que governa até hoje. No mês passado, o Hamas aceitou a ideia de um Estado palestino nas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, que está completando 50 anos, na qual Israel ocupou a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Foi uma forma indireta de reconhecer a existência do Estado judaico.
O guia turístico não vê a possibilidade de Trump encontrar a solução: “Tenho 53 anos, e desde que me entendo por gente, diferentes autoridades americanas vieram e foram, prometendo, mas nunca entregaram a paz. Não quero criticar Donald Trump, mas você viu que ele recusou o Acordo do Clima de Paris na semana passada. Nunca se pode confiar numa pessoa que faz isso”.
Koteineh acha que desde 1991, quando George Bush pai desalojou as tropas iraquianas do Kuwait, há um plano para destruir o Oriente Médio. “Só queremos que eles nos deixem em paz.”
O israelense Gal Oren, de 29 anos, que trabalha na Mobileye, empresa de veículos autônomos, acha que é cedo demais para dizer se Trump poderá ajudar. “Como alguém que mora em Jerusalém, me incomodou que todo o trânsito foi bloqueado”, diz, sorrindo. “Mas num sentido mais amplo foi uma boa viagem. Estou contente de ele ter visitado Israel já no início de seu mandato. Ele vê a situação de uma forma muito mais razoável que (seu antecessor, Barack) Obama. É mais realista sobre o que pode ser atingido. Ele sabe que não basta assinar um papel para haver paz.”
Durante a campanha, Trump disse que reconheceria Jerusalém como capital de Israel. Mas durante a visita se mostrou mais cauteloso, evitando até mesmo que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu o acompanhasse no Muro das Lamentações, o que seria considerado uma provocação pelos palestinos. Por outro lado, foi muito duro com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acusando-o de incitar a violência contra Israel, com base em vídeos que os israelenses lhe haviam mostrado.
Oren, que não tem amigos palestinos, acha que não haverá paz, não por causa de Obama ou de Trump. “Há questões-chave que precisam ser resolvidas: o status final de Jerusalém, e que eles reconheçam o direito de Israel de existir”.
Sanaa Kamal, uma jornalista palestina de 31 anos que vive em Gaza, não vê chance de Trump encontrar uma solução. “Ele tem uma ideologia radical contra os palestinos, os árabes e o Islã. É pró-Israel e quer que continuem a ocupação e os assentamentos”, analisa Kamal. “Ele é especialmente contra o Hamas.” Ela afirma que, quando Trump se elegeu, em novembro, Abbas cortou os salários dos funcionários da Faixa de Gaza, a pedido do presidente americano, que quer asfixiar a economia do território.
Nos últimos meses, o Hamas enrijeceu as normas para a entrada na Faixa de Gaza, com receio de uma tentativa de infiltração por parte do Fatah. O repórter de Exame Hoje foi interrogado por agentes do Hamas durante meia hora ao entrar de Israel para o território, na manhã deste domingo. Desde 2007, é a quarta vez que o repórter vem sob a administração do Hamas, e nunca havia passado por um controle tão rígido.
Kamal diz que mais de 90% dos moradores de Gaza estão vivendo abaixo da linha da pobreza, e que o desemprego atinge 65%. “Honestamente, o povo não acredita numa solução”, descreve a jornalista. “Só querem que o bloqueio acabe, ter empregos e viver normalmente. Não pensam em nenhuma solução política porque estão envolvidos com problemas cotidianos e de sobrevivência.”
“Trump é um ótimo empresário, tem um império e talvez transforme os EUA numa empresa, mas é bom para as pessoas que votaram nele”, opina a professora israelense Nurit Carmelle, de uma escola primária em Jerusalém. “A solução se consegue conversando. Tenho muitos amigos palestinos e falo com eles todos os dias. Mas não sei se é possível falar com os líderes palestinos, nem se a solução é um ou dois Estados. Só quero ter uma vida tranquila.”
É o que todos querem. Mas as desconfianças recíprocas são grandes demais até para começar uma conversa. E Trump não anda dando conta nem dos seus problemas em casa.
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