GAZA, Palestina – O isolamento do Catar e a pressão de seus vizinhos no Golfo Pérsico para que ponha fim ao financiamento de grupos terroristas e ao apoio ao Irã já parece surtir efeito. Depois que Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein (seguidos por Egito, Iêmen, Líbia e Maldivas) cortaram relações políticas e econômicas com o Catar, dirigentes do Hamas teriam deixado o país, num prenúncio de que o patrocínio ao grupo que governa a Faixa de Gaza pode estar chegando ao fim.
A rede de TV libanesa Al-Mayadeen noticiou no domingo que o Catar havia entregado ao Hamas uma lista de dirigentes do grupo que deveriam deixar o país. Em Gaza, o Hamas negou a expulsão, mas admitiu que alguns de seus representantes podem ser deslocados por “exigências do trabalho”. O grupo enfatizou que Ismail Haniyeh, que mora em Gaza, foi escolhido recentemente em eleições internas para substituir Khaled Mashaal na direção do movimento. Além de Mashaal, teria deixado o Catar também o comandante militar do Hamas, Saleh Arouri, que teria ido para a Malásia, segundo fontes palestinas.
Mashaal se transferiu de Damasco para Doha (capital do Catar) em 2012, por se opor à repressão do governo sírio contra os manifestantes pró-democracia. Arouri teve de deixar a Turquia em 2014, depois de ter sido acusado de planejar o sequestro de três adolescentes judeus, que resultou em sua morte e desencadeou a guerra de 2014.
As reuniões do presidente Donald Trump, em sua cruzada contra o terrorismo, com líderes da região, estão fazendo um estrago não só nas finanças do Hamas mas também na economia da Faixa de Gaza. Depois de seu primeiro encontro com Trump em Washington, no dia 9 de maio, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, decidiu cortar em 30% os salários dos funcionários na Faixa de Gaza e reduzir o fornecimento da eletricidade para o território para quatro horas por dia. Abbas pressiona o Hamas a dividir o governo da Faixa de Gaza com a AP.
A ruptura dos vizinhos do Catar ocorreu depois de uma visita de Trump à Arábia Saudita, na qual ele pediu ajuda para conter o terrorismo sunita e salientou a importância de neutralizar o Irã.
O Catar tem sido uma espécie de cordão umbilical do Hamas e de outros grupos radicais sunitas, como a Frente Al-Nusra na Síria e o Taleban no Afeganistão. Em 2012, o emir do Catar, Hamad bin Khalifa al-Thani, visitou Gaza e prometeu US$ 400 milhões ao Hamas, que controla o território desde 2007, quando expulsou o Fatah, a facção de Abbas, que governa a Cisjordânia.
No primeiro dia de trégua da guerra entre o Hamas e Israel, em 5 de agosto de 2014, o repórter de Exame Hoje já encontrou funcionários do governo do Catar vistoriando casas destruídas pelos bombardeios israelenses em Beit Hanun, 7 km ao norte de Gaza, para iniciar os projetos de reconstrução. O governo do emirado prometeu então US$ 1 bilhão. Israel acusa o Hamas de ter usado parte desse dinheiro para reconstruir os túneis que usa para receber suprimentos e realizar ataques ao país. Menos da metade daquele montante foi paga. Mas este ano o emir Al-Thani prometeu enviar mais US$ 100 milhões.
Com a redução dos pagamentos de eletricidade pela AP, o Catar enviou US$ 12 milhões para o Hamas comprar o querosene que move a usina termoelétrica que abastece a Faixa de Gaza. O blecaute sobrecarrega as finanças dos hospitais, que precisam pagar geradores para suprir a eletricidade, e já tiveram seus orçamentos drasticamente atingidos pelo corte de verbas.
Em abril, a AP enviou ao Ministério da Saúde do Hamas na Faixa de Gaza US $2,3 milhões. Em maio, esse montante caiu para US$ 500 mil. Dos 500 remédios fornecidos normalmente pelo ministério, 170 estão em falta. Apenas 10% dos medicamentos necessários para os 7 mil pacientes com câncer estão disponíveis.
Para Eli Avidar, ex-chefe do Escritório de Representação Comercial israelense em Doha, “o Hamas não seria capaz de sobreviver na Faixa de Gaza ou de financiar suas guerras com Israel sem o patrocínio do Catar”.
Hussam al-Dajani, um analista em Gaza próximo de Haniyeh, disse na noite desta terça-feira a Exame Hoje que até então o Hamas não tinha sido notificado a retirar seus representantes do Catar. “O Catar sabe que, para assegurar sua influência na região, precisa manter suas relações com o Hamas”, aposta Al-Dajani. Entretanto, ele diz que, se forem mesmo expulsos, os membros do Hamas têm como opções de exílio o Irã e o Líbano, de modo a se manterem próximos da região.
Para Al-Dajani, a Arábia Saudita, EAU e Bahrein terão de reatar as relações com o Catar, por causa da importância que o país tem para os Estados Unidos, que mantêm nele uma base militar. De fato, essa é uma das ironias dessa história: aparentemente Trump não pretendia, ao enfatizar a necessidade de conter o terrorismo sunita e o Irã, provocar a ruptura entre os vizinhos do Golfo. Funcionários americanos disseram à agência Reuters em Washington que os EUA tentarão discretamente acalmar os ânimos.
Aparentemente, a Arábia Saudita e seus aliados aproveitaram o apelo de Trump para tomar uma atitude que há tempos pretendiam tomar. E a principal razão é a proximidade entre o Catar e o Irã, principal rival regional da Arábia Saudita. O Bahrein e o Iêmen têm enfrentado, com apoio saudita, movimentos insurgentes xiitas apoiados pelo Irã.
O pretexto surgiu há duas semanas, quando foi publicada uma declaração de Al-Thani no site da Agência de Notícias do Catar, na qual ele criticava a hostilidade de Trump contra o Irã e chamava o país de “potência regional e islâmica”. A agência afirmou que o site foi invadido por um hacker e a publicação era falsa. O FBI está ajudando o Catar na investigação.
Parece que aonde quer que vá, Trump está envolto no mundo do “pós-verdade”.
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