GAZA, PALESTINA – Não é preciso muita coisa para levar o Oriente Médio ao seu ponto de ebulição. Em mais um sinal de que foi precisamente isso que o presidente Donald Trump conseguiu em sua visita à Arábia Saudita, o Teerã foi atingido nesta quarta-feira pelos seus primeiros atentados em dez anos, reivindicados pelo Estado Islâmico.
O regime iraniano acusou os sauditas de estar por trás dos ataques a tiros e a bombas ao Parlamento e ao mausoléu do aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica de 1979, que mataram 12 vítimas e 6 terroristas, e deixaram 42 feridos. Um comunicado da Guarda Revolucionária, força de elite do regime, afirmou que “esse ataque terrorista ocorreu depois de uma reunião entre o presidente dos EUA e o chefe de um dos governos retrógrados da região, que constantemente apoia terroristas fundamentalistas”.
Na manhã de quarta-feira, horas antes dos atentados, o ministro saudita das Relações Exteriores, Adel al-Jubeir, fizera a mesma acusação contra o Irã, de patrocinar o terrorismo, e dissera que o país precisava ser punido por isso.
Na primeira etapa de sua primeira viagem internacional como presidente, Trump se reuniu no dia 21 com o rei Salman bin Abdulaziz al-Saud em seu palácio em Riad e defendeu o combate ao terrorismo islâmico e ao Irã, principal rival regional da Arábia Saudita. E aproveitou para firmar contratos de vendas de armas ao reino no valor de US$ 110 bilhões.
Empenhado em desmontar a política externa de seu antecessor, Barack Obama, Trump ameaça romper o acordo nuclear firmado em 2015 pelos EUA e seus aliados europeus com o Irã, que permitiu ao país se livrar de sanções e voltar a exportar petróleo.
O acordo cristalizou o esfriamento das relações com a Arábia Saudita, antes um aliado incondicional, que Obama criticava exatamente por haver patrocinado grupos terroristas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. O acordo também enfureceu outro aliado antes incondicional dos EUA, Israel, que considera o Irã sua principal ameaça. Trump reverteu tudo isso, reaproximando-se da Arábia Saudita e de Israel, segunda etapa de sua viagem.
Duas semanas depois da visita de Trump, a Arábia Saudita anunciou na segunda-feira o rompimento de relações diplomáticas e econômicas com seu vizinho Catar, no que foi seguida por Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Iêmen, Egito, o governo do leste da Líbia e Maldivas. O Catar é acusado de apoiar grupos radicais como a Frente Al-Nusra, franquia da Al-Qaeda na Síria, e o Estado Islâmico. O país também nutre boas relações com o Irã. E é ainda o principal patrocinador do Hamas, o movimento islâmico sunita que governa a Faixa de Gaza, que ataca Israel e também é apoiado pelo Irã.
O Irã é o centro de propagação da doutrina xiita; apoia o regime do ditador sírio Bashar al-Assad, da minoria alauíta, uma seita derivada do xiismo; o governo de maioria xiita do Iraque; o movimento pela democracia da maioria xiita do Bahrein, governado por um emirado sunita; e a rebelião da tribo Houthi, de maioria xiita, contra o governo sunita do Iêmen.
A Arábia Saudita, por sua vez, é o centro de propagação da seita sunita wahabita, que faz uma leitura radical do Alcorão. Nela se inspiram a Al-Qaeda, o Taleban, o Estado Islâmico, o Boko Haram da Nigéria e o Ansar Dine da Argélia e do Mali, entre outros grupos radicais sunitas. Assim, iranianos e sauditas disputam influência no mundo muçulmano.
Quando surgiu, no final dos anos 80, no Paquistão, a Al-Qaeda foi ostensivamente apoiada pelos sauditas — além de estar alinhada também com o Paquistão e os EUA, que queriam expulsar os soviéticos do Afeganistão. Já o EI, formado a partir de uma dissidência da Al-Qaeda em 2013, pode ter recebido dinheiro de famílias sauditas próximas à monarquia, mas não diretamente do governo.
A relação entre os atentados desta quarta-feira em Teerã e a ofensiva da Arábia Saudita, encorajada pelos EUA, contra o Catar e o Irã, pode não ser direta, no sentido de que os sauditas tivessem ordenado o ataque. Mas pode ser uma forma de tentar angariar apoio de seus poderosos inspiradores doutrinários.
Trump ficou embevecido com sua capacidade de influir na região. “Durante minha recente viagem ao Oriente Médio eu afirmei que não pode mais haver financiamento para a ideologia radical”, tuitou o presidente na manhã desta quarta-feira. “Líderes apontaram para o Catar — olhe!” Os tuítes entraram em contradição com esforços que os secretários de Estado, Rex Tillerson, e da Defesa, Jim Mattis, haviam feito na véspera para apaziguar os ânimos entre os vizinhos sunitas do Golfo Pérsico. Afinal, os EUA mantêm no Catar dois centros de comando: um para as operações militares no Oriente Médio e no Afeganistão, e outro, no qual investiram recentemente US$ 60 milhões, especificamente para as operações aéreas contra o EI no Iraque e na Síria.
Mas as coisas estão mudando rapidamente no Oriente Médio. De novo.
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