Incertezas quanto às regras paralisam os investimentos

Privatização pela metade cria impasse no mercado e modelo híbrido de regulação

 “No fundo, o problema maior foi a falta de visão da importância da energia elétrica”, resume o professor Luiz Pinguelli Rosa, vice-diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O governo pensou que as privatizações resolveriam.” A grande responsabilidade política, diz o professor, recai sobre o ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Durante o debate que precedeu a privatização da Light, em maio de 1996, Pinguelli e outros especialistas recomendavam começar não pela venda de distribuidoras, mas pela concessão ao setor privado de novas geradoras. Segundo ele, a tese de Malan era a de que, uma vez controlando as distribuidoras, as grandes empresas investiriam em geração. O ministro não quis comentar.

José Augusto Marques diz que a Abdib lutou para que parte dos recursos obtidos com as privatizações fosse canalizada para a expansão dos sistemas respectivos, mas foi voto vencido. O tema alimentou a polêmica entre o falecido ministro das Comunicações, Sérgio Motta, e o da Fazenda. “É certo que os recursos ajudaram a estabilizar a economia, mas a Abdib não mudou de idéia e acredita que seja hora de repensar o uso dos ativos.”

Uma vez tomada a decisão de privatizar, o governo o fez “da pior forma possível”, lamenta Feldman. “Tinha de privatizar tudo de uma vez.” Ficou “um modelo híbrido, em que ninguém sabe quem manda nem o que vai acontecer no futuro”. O governo também não investe porque: 1) prioriza o superávit primário e 2) pretende vender as geradoras. E os empresários que compraram as estatais não vão investir enquanto não tiverem certeza de que terão concorrentes. “Todo mundo que comprou tem monopólio.” E a privatização é boa para o consumidor quando instaura a competição.

“Híbrido” é o adjetivo escolhido também por José Augusto Marques para descrever o modelo. “Fazem de conta que querem atrair o capital privado, mas oferecem taxas de retorno baixas demais e tomam medidas que afastam o investidor”, diz o presidente da Abdib. Marques diz que as concessionárias privadas estão sendo tratadas com um rigor que não se aplicava sobre as estatais, com multas pesadas em caso de interrupções no fornecimento ou atrasos na transmissão. “Não está na memória uma estatal multada em R$ 5 milhões porque a energia caiu duas horas numa cidade”, critica, referindo-se ao apagão do Rio.

“Está todo mundo com pé atrás porque no Brasil existe o hábito terrível do não cumprimento do contrato”, diz Roberto Hukai. “A primeira regra é a de que o contrato é sagrado.”

O Mercado Atacadista de Energia (MAE) está funcionando sob consignação e o spot market não está funcionando. Nos primeiros meses de vigência do MAE, houve um desacordo entre Furnas e distribuidoras que paralisou o mercado.

O calote de Furnas no MAE e o descumprimento dos contratos são as razões apontadas pela americana AES para suspender os investimentos de US$ 2,5 bilhões antes planejados. A empresa, que já investiu US$ 6 bilhões nos últimos cinco anos, tornando-se o segundo maior investidor privado da história do País, afirma que não tem como obter no exterior financiamento para novos investimentos por causa da insegurança das regras no Brasil. A Eletropaulo, controlada pela AES, afirma ter tido prejuízo de R$ 300 milhões pela falta de repasse do aumento de custos para as tarifas. O mercado estima que a soma das perdas de todas as empresas com as parcelas dos reajustes extraordinários recusadas ultrapasse US$ 1 bilhão este ano.

O consultor Oscar Pimentel discorda que a falta de investimentos esteja relacionada com uma falta de regras claras. “Em curto espaço de tempo, a Aneel conseguiu fazer maravilhas”, diz Pimentel. “Ela comete erros, como todo mundo.”

O mercado aponta, também como entrave aos investimentos, a lentidão e a burocracia excessiva na concessão das licenças ambientais. Aqui, Pimentel está de acordo. É parte de seu trabalho obter essas licenças para os empreendimentos dos grupos que representa.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) poderia ter sido mais veemente nas advertências e a Agência Nacional de Energia Elétrica poderia ter feito mais depressa as concessões para a geração, admite Hukai. “Nada é perfeito e todo mundo tem uma pequena culpa, mas o problema central foi de política.”

E agora? Marques, da Abdib, apóia a introdução de normas que obriguem as distribuidoras a investir em geração. Para o professor Pinguelli Rosa, “do jeito que ficou, a solução são as termoelétricas”. Que, no Brasil, geram energia ao dobro do preço das grandes hidrelétricas, cujos investimentos foram amortizados ao longo do tempo. O gás da Bolívia, que alimentará as termoelétricas, sairá caro. O custo de sua variação cambial deverá ser absorvido pela Petrobrás entre um aniversário e outro do reajuste das tarifas. “A viúva vai pagar”, resigna-se Paulo Feldman. “Se não, não sairia do papel.”

Segundo Oscar Pimentel, as termoelétricas matam dois coelhos: abastecem o mercado com energia nova e resolvem um problema da Petrobrás. A estatal contratou o gás da Bolívia no regime take-or-pay. Mesmo que não leve, tem de pagar. Seu destino serão as termoelétricas, que, diz Pimentel, não são o melhor emprego para o gás. Sua aplicação mais racional está na indústria.

Queimar gás para fazer calor para gerar energia mecânica é desperdício. E, nesse caso, ainda vai sobrecarregar a balança de pagamentos.

“Está tudo errado”, diz ele. “Sobretudo no Brasil, que tem um potencial de quase 200 milhões de kilowatts para serem instalados.” Acontece que uma hidrelétrica de grande porte leva de cinco a seis anos para entrar em funcionamento. Já não há tempo para isso.

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