Cercado de sigilo, megaempreendimento terá 16 hotéis e 27 pousadas
PARACURU, Ceará — Os gaviões e carcarás reinam soberanos nas Dunas de Paracuru, rodeadas pelos pés nativos de murici, graviola, acerola e caju. São 270 hectares de dunas, formando precipícios de 30 a 40 metros que impedem seus raros visitantes de chegar até o mar, visto dos dois lados dessa ponta de baía ao norte do Ceará.
A desolação — e a beleza crua — das Dunas de Paracuru está com seus dias contados. Os indícios já começam a surgir: a nova cerca de arame farpado que acompanha o terreno ao longo da estrada; uma pequena placa ostentando a licença ambiental do empreendimento; um próspero cultivo de palmeiras ao lado dasede da propriedade.
No mercado, os sinais são igualmente sutis. Enquanto estudam sua participação no projeto do mega-resort, os executivos das grandes redes hoteleiras liberam apenas fragmentos de informações. O secretário de Turismo do Ceará, Raimundo Viana, que sobrevoou a área com os empreendedores, não fala com a imprensa sobre o tema.
O grupo português Manoel Barros Investimentos Imobiliários, que criou, para esse empreendimento, a empresa Alto Relevo, mantém o assunto em sigilo. Esta semana, Manoel Barros, que já esteve na área com executivos de grandes redes hoteleiras, chega com oito ou nove investidores espanhóis que vêm conhecer o empreendimento.
O segredo mais bem guardado do mercado é um complexo de 16 hotéis, com 9.670 quartos no total, 27 pousadas, centro de convenções, condomínio, marina e campo de golfe, numa área de 1.020 hectares, com 3.800 metros de praia.
Por enquanto, o que há são cerca de 20 trabalhadores preparando 50 mil mudas de coqueiros, castanholas, algarobeiras e flamboyants, entre outras, que começam a ser espalhadas pelo terreno. Em dois ou três meses, devem começar as obras de infra-estrutura. O início da construção dos hotéis está previsto para o começo de 2002.
Técnicos da Universidade Federal do Ceará estão fazendo as medições da profundidade do mar, para o projeto da marina, que ainda depende de licença da Marinha. E a demarcação do campo de golfe já foi feita pela Golf Trading Brasil, de Campinas (SP).
“Nosso projeto conserva as características da topografia e da vegetação da região”, diz Julio Palma Daólio, da Golf Trading. O campo passa no meio de um cajual. O paisagista francês Michel Lang, parceiro de Daólio no projeto, diz que essa é uma das paisagens mais bonitas que já viu para um campo de golfe, com a combinação de mar, coqueiros e dunas.
Na primeira fase, orçada em R$ 80 milhões, serão construídos três hotéis e oito pousadas. Depois, virão mais três hotéis e assim por diante.
O arquiteto Airton Barbosa, de Fortaleza, que trabalha no projeto, diz que uma das fontes de inspiração é a Costa do Sauípe, na Bahia. “Mas estamos corrigindo erros cometidos lá”, explica Barbosa, cujo sócio, o consultor de turismo Marcos Espinheira, trabalhou no mega-resort baiano. “Por exemplo, a densidade lá é muito alta: a saída de serviço do Marriott dá quase para a entrada do Renaissance.”
Nas Dunas do Paracuru, deve haver mais espaço entre os empreendimentos. Os donos do terreno, que incluíam originalmente o governador do Ceará, Tasso Jereissati, compraram 50 áreas ao longo de 26 anos, até juntar 2.100 hectares dos dois lados da estrada que leva às dunas. Recentemente, fizeram uma separação amigável: o governador ficou com 1.020 hectares, do outro lado da estrada; a Esplanada do Paracuru Empreendimentos Turísticos Ltda., com outros 1.020, e o restante foi para o advogado.
A Esplanada é dividida meio a meio entre o Grupo Alto Relevo e a família Carrá, que trabalha com corretagem de fazendas no Ceará.
Paracuru está a 100 quilômetros do aeroporto de Fortaleza. A Estrada Litorânea (CE-085), rodovia estadual que liga Fortaleza ao norte do Ceará, não tem buracos, mas os acostamentos são estreitos. A estrada que dá acesso da rodovia a Paracuru, a CE-341, tem bom asfalto, mas não tem acostamento. De Paracuru às dunas, há mais 6 quilômetros de asfalto novo, mas esburacado, que serão recapeados e alargados.
A cidade tem 20 mil habitantes, espalhados por uma extensão grande. É pacata e subdesenvolvida. Tem pousadas simples e casas de praia de moradores de Fortaleza que vêm passar o fins de semana. E apenas um hotel, a Pousada do Capitão, com 25 quartos, recém-construído pelo capitão-de-fragata da reserva Antônio Moreira da Silva, de olho nas possibilidades abertas pelo resort.
O deputado Paulo Afonso Acioly, presidente da Comissão de Turismo da Assembléia Legislativa do Ceará, também teve essa visão: está construindo a Pousada Tropical, com 18 quartos. O francês Jacques Lubranot, dono do hotel Castellet, a 50 quilômetros de Marselha, onde a Seleção Brasileira se hospedou no primeiro jogo contra a Noruega na Copa de 98, comprou um terreno na praia da cidade e planeja construir um hotel também.
Hoje, o único restaurante com nível para receber turistas em Paracuru é o Fórmula 1, do francês Michel Gérard, um fã de Alain Prost e Ayrton Senna que garante que o seu escargot é o melhor do Ceará. Mas Gérard não espera muito do resort. “O Manoel Barros esteve aqui e disse que é um projeto para 20 anos”, impacienta-se o francês da região de Champagne, de 44 anos, que veio parar em Paracuru há 16, durante uma viagem de carona de um ano por toda a América do Sul. Conheceu a brasileira Vera, casou-se e abriu o restaurante. “Desde que estou aqui, muito pouca coisa mudou.”