Aparentemente, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, deseja testar a disposição do presidente Donald Trump de honrar o pacto de defesa mútua firmado entre EUA e Japão nos anos 50
Escrevo do Japão, onde passei a última semana, a convite do governo. Nesta sexta-feira, em Hiroshima, depois de ouvir o comovente testemunho de uma sobrevivente da bomba atômica, de 86 anos, perguntei ao prefeito da cidade, Kazumi Matsui, qual a posição dele em relação à mudança da Constituição pretendida pelo primeiro-ministro Shinzo Abe, para permitir às Forças Armadas japonesas ações preventivas, e não apenas de autodefesa. Embora seja apoiado pelo Partido Liberal Democrático, de Abe, Matsui, cujo pai também é sobrevivente da bomba, não hesitou: “Sou a favor de respeitar o Artigo 5”, respondeu, referindo-se à restrição das Forças Armadas a ações defensivas.
Matsui preside a associação Prefeitos pela Paz, que reúne 7,2 mil prefeitos no mundo todo contra a proliferação nuclear. Hiroshima é o epicentro do pacifismo japonês, e um lembrete de que a emenda constitucional almejada por Abe não será um passeio. Entretanto, os incentivos para o Japão assumir uma posição mais agressiva são contundentes. Na segunda-feira, a Coreia do Norte disparou quatro mísseis simultâneos, três dos quais caíram no Mar do Japão. A análise das imagens dos disparos sugere que o alvo do exercício era a base militar americana de Iwakuni – a menos de 50 km de Hiroshima.
Aparentemente, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, deseja testar a disposição do presidente Donald Trump de honrar o pacto de defesa mútua firmado entre EUA e Japão nos anos 50. Durante a campanha, Trump se mostrou avesso a defender aliados na Ásia e na Europa que gastam menos com defesa do que os Estados Unidos. Mas, depois dos dois últimos disparos de mísseis da Coreia do Norte, o presidente se declarou “100%” do lado do Japão.
A ameaça ao Japão não vem somente da Coreia do Norte. Desde a descoberta, em 1990, de petróleo e gás no arquipélago Senkaku, administrado pelo Japão, a China entrou na disputa pelo território. Abe tem consciência de que a posição de seu país é precária, não só porque quatro mísseis simultâneos podem atravessar o escudo antimísseis fornecido pelos EUA.
O Japão gasta 1% de seu PIB com defesa. Os EUA gastam 3%. Um aumento dos gastos com defesa juntaria a fome com a vontade de comer, já que um dos pilares da Abenomics, a estratégia do primeiro-ministro para tirar o Japão da estagnação, são os gastos públicos (os outros dois são juros baixos e reformas estruturais). Entretanto, o povo japonês, traumatizado pela 2.ª Guerra, é avesso a uma escalada militar e pode punir Abe nas eleições de dezembro do ano que vem, se ele insistir.
A confirmação, pela Corte Constitucional, do impeachment da presidente sul-coreana, Park Geun-hye, introduz um novo elemento nessa equação. Park mantinha uma linha dura tanto com a Coreia do Norte quanto com a China. Dentro de cerca de dois meses haverá eleição, e o líder oposicionista Moon Jae-in, do Partido Democrata, é o favorito, segundo as pesquisas. Moon defende uma atitude conciliatória em relação aos dois países, incluindo a retomada da ajuda e a intensificação do comércio com a Coreia do Norte.
Pode ser apenas isso que Jong-un deseja. Paradoxalmente, a escalada nos disparos com mísseis parece ser apenas um grito desesperado em favor da retomada das negociações. Em junho, Trump sugeriu que poderia se sentar com Jong-un: “O que há de errado em conversar?” A forma que o ditador norte-coreano tem — ou acredita ter — de aumentar o incentivo para essa conversa é indireta: elevar o custo de não negociar com ele, desenvolvendo um míssil de longo alcance que no futuro poderá atingir o território dos EUA com ogivas nucleares, e já no presente mirar nas bases americanas no Japão.
De outro lado, a própria China acaba de oferecer a Jong-un um incentivo para negociar, ao cortar a importação do carvão norte-coreano, atendendo às sanções do Conselho de Segurança da ONU. Há muito tempo a Península da Coreia não chegava tão perto da paz. E da guerra.
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